VERÔNICA VAI A CASA DE SUA MÃE QUERENDO ALGUM CARINHO MAS FOI DECEPCIONADA

Riacho das quengas – Joilson Assis 112






Como doeram aquelas palavras, pareciam facadas em meu peito desferidas impiedosamente. Parecia mais um daqueles pesadelos e eu só esperava acordar. Corri para o meu quarto de empregada que era cheiroso e confortável e chorei, gemi e as lagrimas escorriam de meu rosto como água na rua em tempo de chuva. Chorei muito mesmo até soluçar sem parar. Benta a serviçal de estimação veio me consolar. Tento muito, mas não conseguiu para o sangramento que estava em minha alma. Ela me contou o que foi para mim de grande surpresa, ela relatou que também tinha sido prostituta no antigo lugar chamado barrocas, hoje feira central e que dona Diniz aceitou ela mesmo sabendo que ela era uma ex-prostituta e nunca passou isto em rosto. O problema era a sociedade constituída por suas amigas ricas que tinham espalhado para todo o assunto. A minha presença naquela casa atrairia comentários inúmeros sobre a sua família isto foi o motivo dela não me querer mais. Às vezes tentamos agradas mais os homens do que a Deus e fazemos mais coisas por causa do homem do que por causa de Deus. Era o fim, eu teria que dar adeus aquela família adorada e aquela casa tão confortável e cheirosa para voltar para aqueles becos de casa de taipas com cheiro de mofo e fumaça.



Assim que a dona diz me despediu chorei muito no quarto da empregada, peguei vagarosamente as minhas malas que ganhei da senhorinha e partí, parti do mundo do vivo de volta para o mundo dos mortos . triste e sem forças caminhava as margens do açude velho que alimentava toda cidade caminhando ao lado do rio das piabas, me ajoelhei e fiz questão de beber daquela água doce e límpida como despedida. Adeus açude velho Adeus! caminhei pela feira das barrocas e subi pelo alto da bela vista. Era são joão e a noite de são joão dia 23 de junho estava começando. em toda casa tinha festa fogueira bebidas e muitas risadas. namorados a luz da fogueira pessoas assando milhos queijo no fogo meninos correndo pra lá e pra cá velhos tocando sofona, são joão é a época mais LINDA DO NORDESTE. e eu em lagrimas via tudo isto! era uma festa maravilhosa e em toda casa havia festa de são joão, eu queria tanto participar do mundo dos vivos ter a minha casa meu marido meus filhos pertinho de mim fazer uma fogueira para o senhor sao joão bem bonita e ate soltar bombinha. Esta me sentindo um lixo! Sera que o homem que amei tavares ainda se lembra de mim e meu pai sente saudade deu? eu não queria ser uma quenga e vou fazer qualquer coisas para sair desta realidade.
como o são joão e lindo e o nordeste se enche de felicidade fartura comida bebida família forro quadrilhas e gargalhas , ai,ai , como isto estava tão longe de mim mesmo eu sentindo nas ruas a temperatura das lindas fogueiras.
do alto do morro da bela vista via a cidade e o açude de bodocongo e enquanto eu descia minhas lagrimas atrapalhavam minha visão mas ninguém percebia será que eu era invisível?
chegando de volta ao açude dos amores falei com ele ; sera que um dia alguém saberá a minha história ? águas que lavam o nosso corpo por dentro e por fora e tem memoria de tudo por já passou e foi alguém vivo nesta terra e que tem memorias eternas será que um dia alguém saberá que eu existí? as águas são vivas como uma pessoa e guardam história e mistério guarda a minha por favor!
lavei meu rosto nas águas doa açude de bodocongo e fiquei olhando para aquelas e vi o meu rosto nelas parecia outra verônica e piscava os olhos diferentes dos meus como uma outra eu olhando pra mim . não sabia se tinha medo ou não, foi de arrepiar.
lutarei para ter minha casa e farei uma fogueira enorme e que sabe ate uma quadrilha de são joão.



Como eu sofri e só vim acreditar na triste realidade no dia da partida. Voltei à casa de dona Yaýa que me recebeu como uma filha. A partida, o adeus reúne em uma só dose todas as dores existentes e possíveis na alma. Novamente passei dias chorando a minha decadência ao lado do meu rádio ABC Ca-















Riacho das quengas – Joilson Assis 113


Narinho e o cachorro que trouxe da casa Diniz que eu chamei de Perf. Como chorei, gemi, gritei, mas parece que ninguém me ouvia. Parecia que eu era uma morta viva, ninguém se importava comigo, como um objeto descartável e já usado sendo inútil para a sociedade dos vivos.
Depois de chorar muito e gastar toda a reserva de lagrimas decidi em um ato desesperado ir até a casa de Dona Maria da Silva, minha mãe que há tanto tempo não a via mesmo morando na mesma cidade em bairros visinhos. Fui até ela com uma sementinha de esperança meia mucha, mas ainda insistente em permanecer em meu peito. No caminho veio à alegria de ver de longe a minha casa, era o meu lar que nasci e ainda permanecia em meu coração.
Meninas da rua – Ei olha Ana Carolina, há, há ei tudo bem aonde tu tava...
Mais vizinhas – Meninas entrem agora, entre vamos...
Aquelas vizinhas que me conheciam desde pequena recolhem suas filhas para dentro de casa e fecham as portas em um ato terrível de repúdio. Elas queriam impedir o contato de suas filhas e filhos comigo, afinal eu era uma quenga. Todas as casas se fecharam rapidamente como se existisse um terror me acompanhando. Nem uma palavras, um bom dia, me senti um fantasma vivo daqueles bem feios. Olhei para aquelas casas fechadas e aqueles olhos assustados olhando pelas brechas das portas e me senti um nada. Me dirigi a casa de minha mãe














Riacho das quengas – Joilson Assis 113 A


E chamei como um grito desesperado de ver alguém que me amasse, afinal ela tinha sido contra a entrega de meu pai.
Verônica – Mãe, mão mãe!
- Dona Maria – Verônica? O que você ta fazendo aqui danada?
Verônica – Benção mãe? Eu pensei que a senhora iria me chamar de Ana Carolina.
Dona Maria – Ah, sim. O que você quer Ana Carolina? Por que você veio aqui, você “num” sabe “que” seu pai não quer você aqui?
Verônica – Eu “tava” com saudades mãe.
Neste momento eu chorei como uma criança querendo colo. Será que meu pecado era imperdoável? Dona Maria a lavadeira se compadeceu de minhas lágrimas e abriu a parte de baixo da porta me deixando entrar e eu entrei debaixo do teto que havia nascido sentido o cheiro da comida que eu tanto gostava.
Maria – Sente aqui neste tamburete (bando de madeira). Minha filha você tem que ir embora logo antes de seus irmãos chegarem e se o seu pai souber, eu vou apanhar com certeza. Sim diga o que o que você veio dizer!
Verônica – Eu quero dizer que amo a senhora. Eu não agüento mais esta vida minha mãe.
Dona Maria –Ah, você tem que aceitar seu destino minha “Fia”
Verônica – Mãe, me tire daquele inferno, daquele campo de concentração. Mãe me salve!














Riacho das quengas – Joilson Assis 113 B


Dona Maria – Ah, meu Deus, eu não posso fazer nada, suas tias não querem saber da idéia de ter uma sobrinha quenga, não te aceitariam na casa delas.
Verônica – Eu limpo mato, cuido de gado, faço qualquer coisa.
Dona Maria – Minha “fia” aceite seu destino.
Verônica – Destino, não é o meu destino ser uma mercadoria barata, eu sou uma pessoa, eu sou gente. Mãe eu existo, eu sou Ana; sua filha!
Dona Maria a lavadeira amada olhava para mim com lágrimas nos olhos como aquela pessoa que olha o seu boi de estimação ir para o machado no matadouro. Em um breve momento ficamos sem dizer nada, só as nossas lágrimas falavam.
Dona Maria – Ta na hora de ir minha “fia”, se não o seu pai...
Verônica – Meu pai, aquele raparigueiro que tem várias quengas ele é um...
Dona Maria – Não fale mal dele pra você não ser amaldiçoada viu!
Verônica – Amaldiçoada, quer maldição maior que esta...
Dona Maria – Tome esse lanchinho, esta merendinha e vá embora.
Verônica – Me der um copo d’água.
Depois de beber aquele copo d’água sai da casa e pedi benção daquele que me gerou. Esta minha partida foi vagarosa e eu peguei uma pedra do terreiro bem varrido de minha mãe para guardar de lembrança. Recebi a sua benção e sai vagarosamente sem querer perder nem o cheiro daquele lugar que tanto amei.












Riacho das quengas – Joilson Assis 113 C








Como eu queria ser aquele cachorrinho deitado naquele terreiro cheio de flores e pedrinhas arrodeiando elas. Como eu queria ser aquele gato sarnento deitado em frente a porta da vizinha, mas talvez eu fosse pior que todos aqueles animais e não valesse mais cada do que o preço daqueles dois juntos – Ah, como eu desmontava a cada passo que dava; será que o meu valor estava concentrado apenas na minha vagina? Quem era eu no mundo, um ser desprezível? Andei e sai do meio daqueles terreiros, mas ainda em meio ao mato fiquei olhando o lugar de meu coração. As vizinhas saíram das suas casas onde se escondiam de uma fera raivosa que era o seu próprio preconceito, se escondiam de mim. Os meninos e meninas saíram a brincar e aquelas mulheres conversavam uma com as outras enquanto as minhas lagrimas cariam frias como a morte. Mas em suas mãos o tamburete e o copo que bebi água e joga os dois em um monturo num lixo existente próximo a sua casa. Ah, meu Deus, como aquilo me doeu, me senti imunda desprezível, doeu muito muito, mas a dor tem um limite, depois de uma intensidade ficamos dormentes a realidade como zumbis que andam sem vida. A dor de ver o corpo e o tamburete que usei ser jogado no lixo foi tão grande que fiquei dormente. Engoli a minha angustia e voltei à prisão de minha alma para morrer a morte dos culpados. Cheguei no cabaré e como uma morta viva me dirigi ao canto que achavam que era meu, mas algo me dizia e até insistia que eu fugisse daquela realidade.


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