VERONICA TENTA CONSEGUIR UM TRABALHO PARA SAIR DA CASA DAS QUENGAS

Riacho das quengas – Joilson Assis 96


O sentimento de incapacidade é igual ao sentimento de morte. É como se estivéssemos mortos e não conseguíssemos mover os objetos do mundo dos vivos. Algumas dores não passam, elas apenas recolhem-se para dentro de nós, para o mais profundo de nossa alma. Ela fica lá dentro e como um urso faminto sai de vez em quando e nos perturba nos devora por dentro. Eu não sabia para onde Miguel tinha ido, mas ele estava mais seguro que nos meus braços e isto era muito, muito triste para mim. A minha incompetência perante a vida me abatia cada vez mais. A dor da perda de mais um homem na minha vida me fazia sofrer e eu pensava comigo que alguma coisa eu tinha que fazer. Eu já sabia ler e escrever fazia conta com facilidade, então bastava eu procurar. Passei a buscar um trabalho no centro de Campina Grande todos os dias. Fazia a vida a noite e durante o dia buscava emprego. Campina Grande era a capital do trabalho e muitas indústrias havia, porém as maiorias dos trabalhos eram para homens. Eram necessárias muitas referências e na maioria dos casos eram dados trabalhos só pra quem era conhecido de alguém poderoso. Como quenga eu não tinha referencial, mas mesmo assim eu tentava buscar um meio de vida.










Riacho das quengas – Joilson Assis 97


Encontrei no centro da cidade de Campina uma fábrica de sacos de vários tipos. Trabalhávamos das 6:30 até as 11:30 das 12:30 as 17:30 e ganhávamos uma ninharia por mês e as vezes atrasava muito. Durante a noite eu servia os homens que buscavam trabalhávamos em conjunto com várias mulheres e homens e tudo ia bem até que alguém descobriu que eu era quenga. Repentinamente os trabalhadores começaram a me evitar e ninguém sentava onde eu sentava e não queria beber no copo d’água que eu bebia. Piadas indiretas começaram a ser ditas constantemente enquanto eu costurava os sacos. Piadas eram até suportáveis, mas quando os homens resolveram passar as mãos em mim começou a humilhação pública aonde todos iam por gestos ou passadas de mãe em mim. Eu tinha que resistir toda aquela humilhação, pois eu queria ser uma mulher da sociedade dos vivos, eu precisava viver.
- Ah, eu dei tanto ontem que nem posso sentar. Há, há, há!
- Eu to com uma coceira dana, “Eita gota” que xanha da mulesta, peguei no vaso.
Eram tantas as piadas e indiretas que eu recebia que as lágrimas desciam silenciosas de meus olhos.









Riacho das quengas – Joilson Assis 98


- Eu, Verônica eu tenho uma espada de dois palmos. Vamos lá.
- Cale a boca rapaz, Verônica já vai dar pra mim. Não é Verônica? Há, há, há!
Eu escutava isto o dia todo, era um apedrejamento constante e às vezes a minha alma sangrava. Com o passar dos dias as “direitinhas” se afastaram de mim e perto de mim só havia homens. Eu tinha que suportar, pois estava decidida a mudar mesmo que o mundo não quisesse. Em meio aos homens tinham chamado Benedito que me “aperriava” muito para que eu desse para ele o que dava na casa das quengas. Ele era insistente e “chato” e sempre colocava os outros contra mim. Mas eu não o queria com aquela cara de “gaiato” que tinha. Com a insistência dele o pior aconteceu, fui chamada no escritório pelo dono chamado Joaquim Almeida.
- Verônica é verdade o que se diz a cerca de você, que você é mulher de vida livre?
- Sim senhor, faço a vida, mas estou aqui trabalhando para sair deste destino terrível.
- É verdade que a senhora está se insinuando para os homens da fábrica?








Riacho das quengas – Joilson Assis 99


- Não senhor!
- Dona Verônica, estou recebendo muitas queixas por parte dos trabalhadores e as mulheres não querem utilizar o banheiro por sua causa.
- Eu não tenho culpa senhor, eu não tenho doenças.
- Eu não posso manter a ordem na fábrica assim dona Verônica. A senhora está despedida, venha daqui a um mês buscar o seu dinheiro.
- Por favor senhor Almeida não faça isto. Por favor, por favor!
- A senhora pode ir embora.
Eu sai e dei de cara com Benedito com aquele sorriso de deboche. Fechei a minha mãe e dei mesmo no olho dele. Nunca dei um murro com tanta força e nunca fiquei tão feliz por ver aquele infeliz cair sobre as máquinas.
Eu tinha a leve impressão que a sociedade não queria que eu deixasse de ser quenga. Continuei indiferente as indiferenças a buscar emprego pela cidade. Todos os dias eu ia buscar um trabalho aonde desconfiava que houvesse um. Eu necessitava deixar de ser algo desprezível ao mundo, eu existia e queria ser alguém nesta terra. Queria dizer para todas as pessoas



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