Direto ao Texto escrito pela própria verônica, diretos ao texto com a narração do Romance

Nesta parte do a livro Riacho da Quengas você vai direto ao conto aonde a própria Verônica conta a sua vida , alegrias e aflições. Esta parte do livro foi colocado para facilitar a sua leitura das aflições de Verônica aQuenga do nordeste.
Querendo ver o livro todo clic início no índice ao lado .






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Toda quenga sonhava fortemente encontrar um homem que se apiedasse dela e a retirasse aquela vida de extremo sofrimento e dor na alma. O uso de prostitutas era muito comum na época citada e todo jovem era levado pelo pai às chamadas quengas para serem iniciados sexualmente e estes acabavam vivendo entre elas até um dia se casar com uma virgem jovem de boa família. Nisto o negócio dos cabarés eram lucrativos e existiam vário níveis entre eles: Os “Caros”, xíques aonde só entravam homens de palitos com gravatas e aqueles que comumente eram chamados de “CAI CÓRO” aonde a pobreza vinha se aliviar. Em Campina Grande o cabaré mais xíque foi o Eldorado nas décadas de 50 e 60 e o mais popular era o da velha Antonia (Véia Antonha) um cabaré de bairro e popular que até os dias atuais é citado. Os caberes existentes ao lado do açude de bodocongó é o cenário aonde viveu Ana Carolina Trajano da Silva e milhares de outras “Carol” que ao redor do espelho d’água viveram seus conflitos existências, suas dores, seus sonhos e amores. Foi neste cenário aonde muitas mulheres enfrentaram seus conflitos de quengas.












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MÚSICA
Verônica me sinto tão só
Quando não estás junto a mim
Verônica eu quero dizer
Que te amo tanto, que não posso mais
Que te quero tanto amor.
Quero os teus olhos olhar
Quero tua boca beijar
















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MÚSICA
Quem é que não chora por amor
Quem é que não teve uma ilusão
E por isso foi o que aconteceu comigo
Amei, não fui amada me entreguei
Entra solidão que a casa é tua
Arrasa com esta mulher sofredora
Enquanto ele está feliz com outra
Pouco a pouco vai morrendo coração.
Por que será que eu sofro assim
Ninguém na vida tem pena de mim
Vou esperar até o final da vida
Te espero querido não tenho ninguém












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INICIO DO ROMANCE, CONTO EM FORMA DE RELATO.
OBS.: ALGUMAS FRASES SÃO ESTRITAMENTE NORDESTINAS.









- Estamos aqui para batizar esta criança em nome do pai, do filho e do espírito santo. Amém
- Como é o seu nome?
- José Trajano
- E o da mãe?
- Maria da Silva
- O nome da criança será?
- Ana Carolina Trajano da Silva
- Estamos aqui para batizar Ana Carolina Trajano da Silva em nome do pai, do filho e do espírito santo; amém.
- Amém!
- Em nome da santa igreja eu abençoou esta criança e a batizo nas águas como foi Jesus o salvador.
- Amém
- Que esta criança seja uma benção e muita alegria tenha na vida.
- Nome dos padrinhos?
- Josefa da Silva e Antonio Lima
- Esta criança está batizada e purificada pelas águas amém.
- UUUeeé, Uuué...







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CAPÍTULO 1










Eu nasci em 17 de Dezembro de 1907 na cidade de Campina Grande no bairro da casa da pedra (Santa Rosa hoje) e o meu parto foi feito por uma freira chamada Luzia na casa de meu pai. Fui batizada na capela do bairro de Bodocongó por um frei chamado Anastácio, com o nome de: Ana Carolina Trajano da Silva, meu pai se chamava José Trajano e minha mãe Maria da Silva.
Meu pai era tropeiro e minha mãe lavadeira de roupa das famílias ricas. Morávamos em uma casa simples no bairro da casa da pedra.
Foi neste ambiente aonde cresci o obtive as primeiras imagens do mundo que havia chegado. Quando chagamos no mundo encontramos um sistema já feito, leis e regras já estabelecidas que temos que nos adequar a elas. As primeiras imagens que tenho na minha mente são de cinco anos de idade correndo e brincando com amiguinhas ao redor de minha casa. O mundo na época em minha mente não se estendia além das paredes de taipa da casa de meu pai. As próximas imagens de minha mente datam-se aos meus sete anos de idade e das minhas muitas bonecas feitas de espigas de milho retiradas ao redor de minha casa. Eu passava o dia todo











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Conversando com elas e o engraçado era que elas respondiam para mim utilizando a minha boca e minha voz. A boneca que eu mais gostava era Isabel, ela era tão sonhadora e vivia pensando em viajar e conhecer o mundo. E eu pensava comigo: Existia gente além daquelas elevações, depois das montanhas existiam outras cidades? Eu conversava tanto com minhas amiguinhas e todas elas gostavam de fuxicos e fofocas. Viviam conversando acerca dos vizinhos que moravam um pouco distante, mas de longe eu e as minhas amiguinhas observávamos tudo, era bom demais. Dona Maria chegava com suas “Trouxas” de roupas e com a água que era trazida em um jumento eu brincava o dia todo.
Aos dez anos de idade lembro-me que passei a perceber que existia uma larga diferença entre os homens. Uns comem do melhor e outros passavam fome ou tinham que trabalhar arduamente para conseguir alguma comida. Existia amiguinhas minhas que se vestia com roupas tão bonitas e eu desejava tanto uma daquelas, mas meu pai não tinha condições de me dá. Ele viajava muito e quando chegava trazia consigo um tremendo mau humor e foi nesta idade que presenciei as primeiras brigas de











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Meu pai com minha mãe. A briga era violenta e minha mãe batia e apanhava muito. É claro que eu corria no meio deles tentando apartar, mas era em vão os dois continuavam. O que eu podia fazer era chorar alto talvez eles parassem. Depois de muitas tapas dadas pelos dois os mesmos iam dormir na mesma cama e no mesmo quarto o que eu na época não compreendia. Por que tanto ódio se eles se amavam? No outro dia eles conversavam normalmente como se nada tivesse acontecido e quando o meu pai partia com seus burros ela chorava de Saudade. Eu tinha um irmão mais jovem e a barriga de minha mãe começava a crescer de novo e aquele era o sinal que um irmãozinho iria vim me fazer companhia. Foi aos dez anos que percebi que não era igual ao meu irmãozinho, pois ele tinha uma torneirinha no lugar aonde eu não tinha nada. As mulheres brincavam com ele e cheiravam sua torneirinha, mas eu nunca fui cheirada no mesmo canto que ele era. Eu era uma menina e tinha direitos diferentes do que os meninos com suas torneirinhas. Mas por que se já nascemos assim? Eu não compreendia, alias quase nada eu compreendia. Eu não compreendia quando eu ouvia gemidos vindos do quarto de meu pai. Será que minha mãe estava o maltratando? Eu era tão inocente










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e a curiosidade acerca do assunto me trazia medo. Foi também aos dez anos que vi a minha mãe chorar contando às amigas que meu pai tinha uma QUENGA lá no açude de bodocongó e ela iria dar uma surra nela a qualquer momento. O mundo dos adultos era muito estranho para mim e uma porção de coisas sem significado eram ditas e eu nada entendia. Meus pais brigavam, brigavam,depois iam para o quarto e gemiam,gemiam. Os adultos eram tão estranhos para mim! Foi quando eu tinha dez anos que viajamos para um lugar puxinanã para vermos uma festa muito grande de inauguração de um grande açude. Tinha bebidas, danças e bêbados apertando as minhas bochechas dizendo que eu era linda. Muitos cavalos e até carros tinham na festa. Achei bonitos os carros que se moviam sem cavalos deixando uma fumaça preta no ar.(Possivelmente uma inauguração de um açude qualquer e não o açude de puxinanã, o principal,pois foi inaugurado somente em 1927)Comi muito e conheci vários amiguinhos e amiguinhas.Foi nesta festa onde fui abraçada pela primeira vez por um menino que me beijou EME agarrou. Eu não sabia por que mais gostei muito. A idéia mostrava que era errado, mas a intuição femi-











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nina dizia que não.
Aos onze anos eu gostava de brincar de pega-pega e de vez em quando minha mãe pedia para eu lavar umas roupas para auxiliá-la. Como alguns tinham tantas roupas, eu, minha mãe e meu pai tinham tão poucas? Por quê? Mas não importa, bastava eu lavar algumas peças para ser liberada para brincar com a garotada. As casas na época eram distantes, mas uma criança sempre busca outra para brincar como um adulto busca outro para conversar. A inocência na época era muito grande e a malicia natural custava a surgir em qualquer criança. Aos onze anos eu já era bonita, mas ainda era uma menina no corpo e na alma. O que realmente eu gostava de fazer era brincar, brincar, pois me fazia sonhar. Brincávamos de casinha e de soldado e índio e pedaços de paus eram nossas armas mortais. O que me estranhou um dia foi ver uma amiginha minha da minha mesma idade brincando diferente com um menino que a forçava contra a parede levantando sua saia. Fiquei horrorizada com aquilo, pois sabia que o pai dela não iria gostar de saber daquilo. Por insistências de minha amiga eu não disse, mas fiquei curiosa e uma vontade inexplicável me levava pra que eu praticasse o mesmo.









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Finalmente chegou o dia e contra a parede fui pressionada fortemente e a minha saia aquele menino levantou e passou a mão em mim. Eu queria saber por que daquilo, mas percebi que era bom. Certo dia passando pelas casas das quengas pôde observar pela porta mulheres sentadas no colo de homens bebendo e fumando mas eu ainda não compreendia o sistema da vida. Continuava com as minhas bonecas brincando de professora, de mãe e até de pai. Minha mãe teve vários outros filhos e eu como a mais velha cuidei de todos enquanto Maria da Silva lavava suas roupas.
Para evitar o transporte de água até lá em casa a minha mãe começou a lavar as roupas no próprio açude que tinha acabado de ser inaugurado no ano de 1917 e eu ia junto para ajudar. Depois de lavarmos uma imensidão de roupa as mulheres começavam a falarem de seus amores e entre uma palavra e outra sempre surgia uma intimidade que aumentava mais ainda a minha curiosidade acerca do assunto. O que os homens faziam com as mulheres que elas achavam tão bom? Naquelas escorredeiras se falavam de tudo, de chifres, de moças perdidas, de tudo.











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Aquelas mulheres eram mais fuxiqueiras que as minhas bonecas! Elas realmente falavam de tudo, de Deus e do mundo inteiro e enquanto suas mãos trabalhavam suas bocas contavam estórias incríveis. Será que toda lavadeira é fofoqueira? Era o que se passava em minha mente constantemente.
Eu Sonhava muito em um dia ser mulher de dono de engenho que era homens bravos e ricos segundo as lavadeiras comentavam. Eles viviam em mansões arrodeiados de capangas e tinham muitos empregados aos seus serviços. Mas eu ficava na dúvida se casaria com um senhor engenho ou um soldado valente do exercito para ter filhos valentes e fortes. Quem sabe eu não conseguisse andar até em um daqueles carros barulhentos e com muita fumaça saindo por detrás dele. Cada história contada por aquelas lavadeiras de roupa eu viajava em minhas imaginações e uma hora eu era mulher e delegado, em outra de político. Algumas vezes sonhava em ser enfermeira e tratar de vários doentes salvando vidas. Eram tantos os meus sonhos que aquelas mulheres que lavavam roupa muitas vezes me acordavam com gritos, em meus sonhos acordados parecia que eu saia de meu corpo.










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Apesar de lavarmos roupas próximas aos barracos das quengas era difícil ver uma já que o nosso grupo de mulheres não se dava com elas, pois existia uma incrível rivalidade entre as mulheres “direitas” e as quengas que arrastavam e conquistavam vários maridos. Nisto as mulheres “direitas” tinham certa fobia acerca das quengas. As “direitas” também não permitiam que elas viessem lavar roupa nas pedras que lavavam com medo de doenças como sífilis e outras. Mas como as quengas tinham um jeito de desbocada em um dia ao chegarmos pela manhã no açude de bodocongó onde ficavam todas as “mulheres direitas” tinha uma quenga bem na nossa pedra lavando suas roupas. As amigas de minha mãe já deram sinal com os olhos que tinha algo errado acontecendo. Maria da Silva não gostou muito deste assunto e foi até a quenga pedindo a pedra em que ela estava utilizando. – “Ah, benzinho eu só vou deixar esta pedra quando terminar.
- “Esta pedra é minha saia agora!”
A rivalidade entre as quengas e as mulheres chamadas de direitas era nítida e a conversa entre a minha mãe e a quenga foi esquentando até que a quenga puxou um canivete de dentro dos









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Seios quase desnudos e chama a minha mãe para a briga. Aquela mulher não deveria fazer aquilo, pois Dona Maria era muito brava e sempre dizia que tinha sangue de índio bravo da bacia do Rio do Peixe interior do Estado. Vi raiva no olhar da minha mãe que pulou em cima dela com a faca e tudo. A briga foi feia e as duas acabaram nas margens do açude e nas águas dele brigavam como homens costumavam brigar. As quengas tinham fama de desbocadas e bravas até com homens na noite brigavam fortemente com murros e ponta pés. Tentei ajudar a minha mãe, mas suas amigas me seguraram enquanto agarradas nos cabelos as duas se desnudavam em pleno combate corpo a corpo. Na briga que mais parecia uma luta por território masculino do que por pedras ao redor do açude a quenga declarou:
- “Ah, você quer ser tão brava, mas o seu marido tem uma quenga em São José da Mata (Lugar visinho) há, há, há...”
Isto irou a minha mão fortemente que pulou em cima dela e caíram na água com a torcida das lavadeiras de roupas gritando o nome de minha mãe. O meu medo era dela matar a minha mãe ou minha mãe matá-la e depois os soldados levarem ela. Na bri-









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Ga Dona Maria leva desvantagem e a quenga desfere vários golpes nela que cai na água em um lugar mais fundo desmaiada se afogando. Depois de vencer a luta a quenga olha ao redor e ninguém vai socorrer a minha mãe e eu grito chorando. Aquela quenga com o nariz sangrando pulou na água e retirou minha mãe desmaiada, retirou a água que estava em seus pulmões fazendo respirar novamente. Foi esta cena que me fez perceber que as quengas não eram tão desumanas assim, ela tinha se compadecido de minha mãe mesmo depois de levar muitos golpes dela. Com a minha mãe já falando, aquela quenga pega suas roupas ainda molhadas, ajeita suas roupas rasgadas na briga e vai embora para seu lado do açude. Nunca me esqueci destas cenas e o fato de ninguém sair para socorrer a minha mão mesmo sabendo que ela estava morrendo afogada marcou muito. A visão da quenga fazendo respiração boca-boca com minha mãe tentando salva-la ficou na minha mente até os dias de hoje.
A rivalidade entre as “direitas” e as quengas era grande e toda esta história era por motivo de seus maridos muitas e muitas vezes passarem às noites abraçados as quengas nos forrós ao redor do açude. O bar das quengas, como era










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Chamado bar Santo Antônio, era o mais freqüentado de toda região e era nele onde homens pobres davam uma de ricos e pagavam para todos, bebidas e comidas. De outro lado havia um ciúme das quengas que não conseguiam ser mulher de um homem só, não conseguiam pertencer a um único homem que era o sonho de todas elas. Revoltadas com suas vidas promiscuas elas insultavam as “direitas” por invejarem suas vidas. As noticias corriam e era comum donas de casas acompanhadas de outras amigas “direitas” visitarem as casas das quengas com paus e facas e ai o quebra pau acontecia. Era um show e todos paravam para ver. Por quem será que os homens torciam, por suas mulheres “direitinhas” ou por suas quengas ali representadas?
Apesar da pouca idade eu conhecia Dona Maria da Silva e ela iria fazer sim qualquer coisa, era só uma questão de tempo. Certo dia minha mãe recebeu a visita de quatro amigas e diz para mim cuidar de meus irmãos e saiu armada com destino a uma quenga em São José da Mata por nome Chica Preta, Maria Francisca da Silva, Chica Preta porque era negra. Eu não sei o que aconteceu, mas as quatro voltaram machucadas, mas rindo de situações vividas onde foram. È, elas foram atrás de Francisca e









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Deram uma surra nela e em suas amigas. Dona Maria estava de alma lavada, mas ferida, pois soube que Chica Preta tinha três filhas de meu pai e que ela não era a única quenga de meu pai, existiam várias outras. Eu não compreendia como um homem tão moralista era tão namorador. Na vida todo homem se contradiz e muitas demonstrações de moral não passam de estupidez disfarçada. Dona Maria teve que se acostumar com as quengas de meu pai apesar de brigarem bastante ela sempre cedia aos seus desejos. Era o sistema que já existia quando eu vim ao mundo, mas como mudá-lo? Completei meus doze anos ouvindo brigas e amores dos dois. O que mais me estranhava era as pragas que os dois diziam sobre mim que era a mais velha. Bastava uma raiva e desejos que eu seria isto ou aquilo surgiam fortemente. Eles desejavam coisas terríveis ao meu respeito por coisas banais que cometia como quebrar um prato ou uma xícara. Logo eu seria uma quenga uma sem futuro etc. isto me magoava muito, mas nada eu podia fazer era desta forma que muitos pais do nordeste tratavam suas crias. A minha própria mãe dizia que praga de mãe era danada e ela mesma deseja coisas ruins para mim e meus irmãos. Como minha mãe desejava que










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Eu fosse o que ela mais odiava: uma quenga. Existia no Nordeste uma cultura praguejadora muito grande, principalmente entre os mais pobres. Mas alegria, como ter mais uma irmãzinha, tirava todas as magoas de palavras fortes que recebia.
Foi no final dos doze anos que senti uma grande transformação em meu corpo. Foi neste período que veia a minha primeira menstruação e os cabelos esconderam algumas partes de meu corpo que antes era vista desnuda. Foi no mês de dezembro que senti algo muito estranho em meu corpo. Pela manhã cedo fui enviada para buscar leite na casa de dona Josefa Goes, dona Zéfinha do leite. Para dar tempo lavar muita roupa ao lado do açude, fui bem cedo assim que clareou, a casa dela que ficava próximo a mata da família Correia, a mata de Dona América Correia (Véia Merquinha) Eu gostava de buscar leite montada num jumento chamado Roxinho, pois na volta tinha um rapaz muito bonito que acenava para mim. Será que ele era meu namorado? Todos os dias aquele rapaz me aguardava e me dava tchau, era um namoro silencioso na base de olhares e beijos enviados com as mãos. Eu era tão jovem mais já tinha um namorado, quantos filhos será que eu terei com ele?










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Naquele dia cheguei muito cedo à casa de dona Zefinha do leite e parecei que todos estavam dormindo. Até o cachorro já tinha se acostumado comigo e nem mesmo “latia” a me ver. Naquela época as casas eram feitas de barro e paus com dedos que davam para ver tudo do outro lado. Como todo adolescente é curioso andei do lado da casa e curiosa com um barulho estranho, olhei vários buracos na parede. A surpresa veio em um dos buracos existentes de lado do quarto de dona Zefinha com seu esposo em um ato que nunca tinha visto e que despertou em mim uma enorme vontade de imiti-la. Ela e seu marido suado e atracado em imenso prazer sexual. O gemido era de dor, mas ela parecia gostar bastante da torneirinha do seu marido. Eu já tinha visto as torneirinhas de meus irmãos, mas aquela era de tamanho gigante e parecia muito bem aonde entrar e quanto sair. Nesta “briga” eu não sabia quem era mais feroz, se Dona Zefinha do leite ou seu esposo? Parecia que naquela competição no final os dois ganhavam! Foi a primeira vez que eu senti vontades estranhas de mulher. Tudo era novo e a partir daquele momen-












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To passei a ter vontades estranhas que nunca tinha tido antes como alguns dizem, o que assusta pode viciar, todas as manhãs passei a buscar o leite muito cedo para observar tamanha peleja sobre uma cama de couro de vaca. Na volta encontrava o meu namorado que eu nem mesmo sabia o nome e dava tchau para ele que me respondia. Como eu era feliz com aquele namoro tão gostoso. Eu achava que estava apaixonada e nas noites frias de Campina eu passava naquele rapaz que nem mesmo sabia o nome. Os meses se passaram e quando observava dona Zefinha eu fui pega por ela que disse a minha mãe o ocorrido e por causa das observâncias apanhei muito, muito mesmo e fiquei de castigo por mais de uma semana. Imagina se dona Zefinha soubesse que eu estava a observando a mais de mês eles me matavam. Depois de algum tempo eu passei em frente da casa do meu namorado sem nome e o vi e algo dentro de mim dizia que ele gostava de mim. Volte às pedras do açude lavando as roupas ou segurando o bebê da minha mãe enquanto ela lavava roupa. Era uma época que existiam inocência e sonhos em minha mente, mas algo entre as minhas pernas me incomodava bastante. Algo em mim parecia vivo e fazia exigências que incomodavam a minha inocência de menina. Nas conversas das mulhe-











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res sempre deixavam escapar cenas de noites quentes com seus homens e outras inocentavam seus maridos cafajestes de seus erros colocando a culpa nas quengas “safadas”.
- Homem é homem não é mulher? Uma mulher se oferece ele tem que aceitar:
- É verdade mulher, estas quengas enlouquecem os nossos homens e outras fazem até macumbas pra eles.
- Se eu pegar a quenga de meu marido eu quero ela todinha!
- Eu tiro todas as forças dele, não deixo nada pra ninguém.
É, a boca das lavadeiras não se mantinham fechadas e no meio deles sabíamos de tudo. Da vida dos políticos, do dinheiro de outros e dos chifres que muitos levavam. Era um divertimento incrível, no instante lavávamos muita roupa e nos sentíamos bem informadas de tudo na cidade de Campina Grande. Talvez venham das lavadeiras de roupa os repórteres sensacionalistas que falam da vida e da intimidade de todos e de tudo.
- Menina, você sabia que a filha de Dona Maria fulor se perdeu?
- Não acredito. Ela é tão nova não é?...







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Quando as fofoqueiras falavam de uma molher que se perdeu elas falavam em um tom como se a moça estivesse morrido. Logo aprende que se perder era perder a virgindade chamada na gíria popular de Cabaço. (Cabaço é o fruto da cabaceira. Era de forma arredondado e quando rachava não servia mais para nada. Quando retirados de forma certa era serradas ficando duas vasilhas com duas panelas) A moça não podia perder o cabaço, pois seria obrigada a casar com quem fez o ato ou jogada no meio das quengas. Mas quem era tão doida para perder algo tão precioso assim? Eu era que não iria perder o meu! Eu iria me casar com o rapaz da estrada, pois só era uma questão de tempo para ele perguntar o meu nome e ir lá em casa pedir ao meu pai a minha mão em casamento. Eu não agüentava mais esperar por este dia! Mas eu era paciente e bastante nova.
O tempo passou rápido e minha mãe me deu mais uma irmã que eu cuidava carinhosamente. Na sede de vencer o amor das quengas dava ao meu pai todo ano um ilho. Eu esperava um dia fazer aquilo que dona Zefinha fazia com seu esposo com o











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Meu namorado anônimo, mas as marcas da surra que levei ainda estavam nas minhas costas a doer muito. Como o amor e o ódio se intercalam na vida de uma pessoa, parece que na vida o amor é uma mulher linda e o ódio um homem extremamente apaixonado por ela e quem se aproximar do amor terá que enfrentar o ódio. Como alguém diz que ama, mas prejudica em nome deste amor, e com a mesma força destruía e amado! É, no amor e no ódio todos são loucos e é nestes dois que aparecem as nossas maiores insanidades.

















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Capitulo 11

Os meus doze e treze anos foram de sonhos e trabalhos nas pedras do açude de bodocongó lavando roupas das senhoras ricos. Por que o mundo é tão diferente assim? Uns tem tanto e outros nada possuem, por quê? Na vida parecemos uma ilha de certezas arrodeiados por um oceano imenso de incertezas e dúvidas. Eu via aqueles barões com aquelas roupas chiques com suas filhas tão lindas e bem vestidas enquanto eu lavava roupas na sangria do açude dos amantes. Os ricos desejavam para suas filhas que elas fossem ricas e poderosas:
- Minha filha será uma médica, uma doutora e casará com um conde rico e poderoso.
Mas as famílias pobres pareciam irritadas com a vida e praguejavam as filhas:
- Está menina só dará pra uma Quenga, ela até parece uma rapariga. Veja só!
É, a vida sempre muito difícil de entender, mas aos meus quatorze anos eu tentava encontrar uma explicação para aquilo que ninguém queria explicar. Meu corpo estava formando e meus










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Seios já chamavam a atenção de alguns homens que me olhavam de um modo diferente. Talvez o meu namorado “de tchau” se aproximasse agora já que eu era uma mulher formada. Mas para minha surpresa um dia passando em frente a sua casa que era um pouco melhor do que a de meu pai, o vi com outra menina bem vestida e com um carro fumaceiro em frente dela. Confesso que aquilo me abateu e o beijo que eu vi ele dar nela matou a minha alma. O amor é uma vitamina para a alma, mas a desilusão tira todo o seu brilho. Passei semanas em casa tão triste que a febre fazia arder o meu corpo. Como eu era boba, se apaixonar por uma pessoa que nem mesmo sabia o nome e nem mesmo tínhamos conversado. Mas o coração tem suas regras, independente da nossa suposta inteligência. Eu nunca tinha recebido carinho de um homem, mas só os tchau daquele rapaz faziam-me carinho na alma. Nem mesmo chegamos a este mundo direito e já começamos sofrendo de amor. Mas como acertar no amor se ninguém ensina. Talvez ninguém soubesse amar e por isto ninguém ensinasse a fazê-lo com segurança. Mas como eu era boba, pois aquele rapaz de família mais forte que a minha nunca olharia para a filha de uma lavadeira










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Que era lavadeira também.
Mas a desilusão é como a dor de barriga, ela vem faz um estrago danado dentro da gente, nos deixa fraca, mas depois vai embora. Semanas depois eu estava a lavar roupa novamente com as fuxiqueiras de bodocongó ao lado das quengas de bodocongó que ficavam de longe a nos observar. Talvez um grupo quisesse ser o outro por alguns instantes. Talvez o grupo de quengas quisesse ser propriedade de um homem por algum tempo e as chamadas “direitas” desejassem ser um pouco de tempo quengas. Mas aos quatorze anos eu não queria me apaixonar mais até que apareceu outro jovem no açude que era um pescador que de seu barco de um remo só olhava constantemente para mim. É, o amor é como aquelas sementes teimosas que basta um pingo d’água para nascer rapidamente. Ele não era muito bonito, mas era um homem e quem sabe ele fosse um dia um GRANDE pescador! O nome dele era Juvino e tinha vinte anos e era filho de uma das lavadeiras mais fofoqueiras da turma. Todos os dias eu via Juvino e ele olhava para mim suada as margens do Bodocongó e dava tchau para mim. A mãe dele disse que seu filho










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Era trabalhador mais bebia e vivia atrás das malditas quengas. Mas eu não ligava com isto os maridos de quase todas as lavadeiras incluindo a minha mãe era quengueiros, ele sendo o meu dono era o que importava. Estes olhares e sorrisos duraram alguns meses até que minha mãe de resguardo de mais um filho me deixou ir para o açude lavar roupas e foi ai que eu tive o meu primeiro encontro com um homem. Era tanta roupa que às vezes começava a escurecer e eu a lavar as roupas daqueles riquinhos exigentes. Foi quando me encontrei com Juvino varias vezes. Comecei a lavar roupas muito rápidas para junto à linha do trem encontrasse Juvino que era cordial e me deu os primeiros beijos quentes de homem. Bastaram alguns dias e Juvino estava todo animado e queria m fazer mulher, mas eu não iria arriscar sujar o nome da minha família me perdendo.
- Case-se comigo Juvino e eu serei a melhor mulher do mundo pra você.
- Não posso sou muito novo e tenho que estudar muito.
Perante a recusa dele eu me recusava a conceder-lhe o prazer que tanto ele me pedia. Não deixava o principal acontecer, mas muitas coisas aconteciam junto à linha do trem que passa ao re-








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Dor do açude das paixões. Confesso que o deixei louco muitas vezes, mas eu também enlouquecia. Minha mãe voltou a lavar roupa nas pedras das fuxiqueiras e eu não pude ter mais a liberdade que estava tendo com Juvino. Como não dei o que ele suplicava fui trocada por uma quenga que morava ao lado do açude. Novamente sofri muito e chorei amargamente escondida com meus travesseiros. Pensei em ser freira idéia esta que foi absurda perante Dona Maria.
- Homem é tudo igual minha filha, eles nos tratam apenas como objetos.
Mas mesmo como objeto eu queria um para mim. Eu era muito nova, mas o desejo de ser mulher e a vontade de ter um homem grande e difícil de entender. Não dava para esconder tamanha vontade fogo que eu tinha dentro de mim. Tive muitos namoros de curta duração com João, mas ele era meio doido e falava demais. José das vacas “burro” como um jumento e falava tanta besteira que só me dava vontade de dar gargalhadas. Luiz era valentão e metido, mas na verdade era medroso e nunca foi pedi a minha mão ao meu pai em namoro. Talvez ele nunca tivesse coragem para isto. Mané das burras era um jovem de 24 anos e era faci-









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nado por dinheiro, só falava em lucrar. Francisco era filho de outra lavadeira amiga de minha mãe ele era inteligente e educado, sabia até ler, mas em nossos contatos corpo a corpo ele não demonstrava ser muito homem. Dava a impressão que ele gostava das mesmas coisas que eu. Não dava para eu sonhar em casar com uma mulher em um corpo de homem não. A mãe dele desconfiava e por isto jogava ele para mim constantemente.
O tempo passa rápido e foi quando cheguei aos meus quinze anos, mas não houve festa isto era “frescura” para os pobres daquela região. Eles nunca tinham feito nem uma festa de aniversário para mim quanto mais uma festa de debutante como os ricos faziam. Minhas roupas eram sempre de segunda, era comum nos cainhos encontrarmos as antigas donas e elas em sorrisos apontarem para os seus antigos vestidos.
- Olha, aquele vestido era meu, há, há, há...
Mas dizem que o pobre não tem direito a vergonha o jeito era ignorá-las. Eu gostava da minha vida mesmo com tantas dificuldades e brigas dentro de casa. Os meus pais não poderiam me dar o que eles não receberam. Meu pai tinha muitos filhos e tinha que ajudar a todos. A vida se torna bem melhor com uma pitada








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de compreensão. Quando somos adolescentes somos muito ansiosas e esperançosas. Eu era tudo isto e romântica, pois desejava um homem que soubesse reconhecer o real valor de uma mulher. Mas qual séria o valor de uma mulher?
Na missa eu rezava pedia a Deus que me fizesse bem bonita para que os homens me notassem e o meu amado surgisse logo e não aqueles doidos que me quiseram. A missa era algo lindo e tinha um clima maravilhoso e Jesus ali na cruz parecia compreender as nossas maiores burrices. O padre falava sobre o amor a compreensão que Jesus tinha ensinado num lugar muito longe chamado Israel. Será que dava pra ir a pé até lá? Enquanto eu escutava o santo padre vi aquela prostituta que tinha “brigado” com minha mãe há muitos anos atrás. Ela estava magra e parecia doente, não era mais aquela mulher e tinha várias manchas na pele que estava meio descuidada. Quando ela sentou no banco os visinhos levantaram e foram para outro lugar como se estivessem sentindo nojo dela. Mesmo assim ela continuou e com os olhos no altar rezava. O que será que ela estava passando?











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Os meus quinze anos chegaram e o padre me benzeu com água benta. Certamente era apenas questão de meses para alguém pedir a minha mão. Do lado de fora da missa meu pai encontrou um amigo seu e me apresentou a ele que me achou muito bonita e mostrou seu filho com cara de mal para mim. Meu pai se antecipou e disse que aceitaria um pedido do filho dele da minha mão. Eu odiei aquela idéia e até hoje me lembro da cara dele de chato e exigente.
- Pois é compadre Zé, meu fio ta chegando na idade de arrumar uma cabritinha mesmo. Vou visitar o sinhô ta.
Não gostei daquele rapaz e pedi a Deus que não deixasse o “compadre” de meu pai nos visitar. Seria horrível casar-me com aquele “chupa limão”. Mas graças a Deus ele não veio e eu continuei a lavar as minhas roupas, mas agora no caminho os homens faziam questão de tirar o chapéu de suas cabeças. Isto me fazia sentir uma mulher encantadora.
Os amores daquela época eram fortes e melosos com muita emoção e força. Até as músicas era de uma profundidade poética muito grande e as paixões arrasadoras. Era uma época romântica, porém de outro lado ainda bruta. Mas o que seria o









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Amor, a paixão e a simples simpatia? Agente séria tão pobre se fossemos tão lógicos, mas são as emoções do amor que perfumam a vida. Eu me exponho às emoções do coração, mas eu não mando nele apenas tento convencê-lo de algumas coisas. Na idade em que eu me encontrava meu pai demonstrava mais cuidado com a minha virgindade do que comigo mesmo. Seria a minha vagina a parte mais importante do meu corpo? Seria ela mais importante que o coração? Por outro lado eu gostava destes cuidados, pois me sentia protegida e pertencente a alguém. Como seu José era muito rígido eu tinha medo de apanhar por algum desagrado que eu pudesse fazer. Eu tentava me comportar, mas às vezes pensamos com outras partes do corpo que não tem nada haver com a cabeça. E como uma fruta cheirosa os homens me abraçavam e não se cansavam de me cheirarem e beijarem a minha boca. Tudo era muito escondido para que eu não ficasse falada principalmente pelas fuxiqueiras amigas de minha mãe.
Nos forrós eu tirava o atraso e dançava muito e gostava muito de me misturar com o suor de alguns homens. O suor de macho é diferente e me dava um tesão muito grande.










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Ah, como era bom os forrós de Campina Grande. Ficávamos de um lado e do outro os cavaleiros que vinham nos tirar para dançar. Quando era um velho ou alguém feio não podíamos negar e dançávamos sem malícia. O bom mesmo era quando um rapaz tirava a gente para dançar, era tão bom que logo o dia amanhecia. Que vida maravilhosa eu tinha, pois a perfeição não está na inefabilidade, mas na harmonia das coisas e dos fatos.


















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CAPITULO 111
Com os meus quinze anos eu via a tecnologia chegando à cidade, há dois anos foi inaugurado o primeiro poste com a primeira lâmpada em Campina Grande. Desde 1920 quando foi inaugurada na praça central a primeira lâmpada até 1922 quando eu completei 15 anos foram instaladas muitas lâmpadas que era algo que demonstrava a força da cidade e seu desenvolvimento.
De onde vinha o fogo daquela lâmpada? E por que ela não apagava na chuva ou no vento forte? Era algo que vinha dos “estrangeiros” e eu não compreendia nada. Mas as casas não havia tal beneficio e o velho lampião iluminava a todos, os amores e as dores.O mundo muda rápido para os ricos porém para o pobre o desenvolvimento vem montado em um jumento lerdo e com pouca vontade de andar. A nossa vida continuava a mesma, de lavar roupas na sangria do açude de Bodocongó.
A vida nos traz muitas surpresas e em uma manhã conheci o meu grande amor Tavares Raposo do Nascimento um jovem de vinte e cinco anos de cor parda e bigode fino sobre os lábios como era o costume da época. O conheci nas margens do açude a









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Fazer a sua pescaria. Muito educado, gentil, cavalheiro, ele me conquistou só pela forma de falar educado e aquele jeito que se valorizou. Desde dia que eu o vi percebi que aquele homem era meu e eu dele, era só uma questão de tempo. Escondido depois da lavagem de roupas conversava muito sobre todos os assuntos. Era o homem perfeito para minha vida, eu seria dele com certeza. Tavares sabia ler e com um livro trazia fazia poemas e contos românticos para mim. Enquanto ele falava a noite chegava e logo as primeiras estrelas sorriam para mim. Quando amamos temos a impressão que TODO O UNIVERSO olha sorridente para nós. Logo depois de nos beijarmos muito eu colocava a roupa sobre o jumento e corria para a casa, ao chegar eu tinha que criar uma desculpa convincente para os meus pais. Eles não podiam desconfiar de nada, nem sonhar. Mas quando amamos perdemos o senso do perigo e é o amor a força capaz de fazer com que nos arrisquemos pelos mais terríveis perigos. Naquele tempo qualquer moça flagrada beijando um rapaz era descriminada como uma prostituta qualquer. A sociedade pensava 1que era moderna, mas era extremamente











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Preconceituosas principalmente em relação ao sexo e a mulher. Quando encontramos um amor pensamos que achamos a solução para toda nossa vida, para todos os problemas e era desta forma que eu pensava. Tavares era o homem da minha vida e disto eu não tinha nenhum duvida.
Quando a vontade é grande some todas as dificuldades e a partir daqueles primeiros encontros passei a criar situações que facilitasse o nosso encontro sigiloso e vários lugares secretos na floresta de Dona Merquinha Correia foram postos como ponto de encontro. Ele era um homem galanteador e até flores trazia para mim em nossos encontros, pena que eu não as podia levar para casa. Eu estava tão feliz que me sentia no céu. Tavares estava gostando muito de mim e iria pedir a minha mãe ao meu pai, ele ainda não tinha falado isto, mas eu tinha certeza desde fato. Beijos quentes e abraços calorosos eram dados escondidos entre as árvores de “Merquinha” e só as folhas testemunhavam o nosso fogo, mas eu não abria mãe da minha pureza até o dia do casamento. Mas apesar de tentar algumas vezes Tavares era compreensivo e carinhoso como um grande cavaleiro que era.







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Eu pensava comigo que a sorte tinha morrido para mim e aos meus quinze anos tinha encontrado o amor de minha vida: o homem ideal para qualquer mulher. Cada dia que se passava os nossos encontros se tornavam mais quentes e íntimos, mas eu me segurava para não ceder aquilo que eu estava querendo fazer. Mas como fiz o ditado quem anda muito na beira acaba caindo no fundo e foi o que aconteceu. Tavares me prometeu que se eu deixasse ele me possuir casaria comigo, pois estava aguardando apenas uma resposta da companhia da estrada de ferro para trabalhar e a mesma iria sair dentro de apenas alguns meses. Ele me fez juras de amo à luz das águas do açude de bodocongó e eu me entreguei ao amor de corpo, alma e coração. E naquele mesmo dia fizemos amor como dois adultos faziam e eu me derreti de prazer nos braços de Tavares o meu grande amor. Eu nunca tinha sentido algo tão bom passei, a saber, porque as mulheres se derretem toda perante a um homem viril. Aquela noite foi a minha inauguração como mulher e finalmente soube o que um órgão existente entre as nossas pernas pode proporcionar de prazer e delírios. As águas do Bodocongó foram testemunhas de meus gemidos mistos de dor e prazer que aqueles momentos me proporcionaram. Como já tinha inau-










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rado o meu aparelho de prazer e amor por que não utilizá-lo mais? Sendo assim passamos a nos encontrarmos mais vezes durante a semana e nestes encontros havia mais gemidos do que palavras. Era uma nova maneira de conversar uma comunicação direta da alma. Pouco a pouco Tavares sentia e me ensinava a ser mulher me possuindo por completo e me dominando com seus amores. Ele realmente me “muia” e eu voltava para casa só o bagaço mais totalmente realizada. Com o tempo bastava Tavares chegar perto para eu me derreter de desejos e como se eu estivesse em uma enxurrada ficasse toda molhada. Eu não podia dar as caras o que eu estava fazendo até que o trabalho de Tavares na ferrovia saísse. Nesta situação passamos quatro meses e ninguém percebeu a grande atividade que estávamos tendo próximas as águas do Bodocongó.
Neste período eu me tornei viciada em amor e cada vez fazíamos mais, mais até a exaustão e as nossas pernas não mais agüentarem ficar de pé. Era uma loucura total!
O maior perigo é perdemos o medo, pois às vezes ele nos protege. Com tanta atividade assim o nosso cérebro derreteu e vários vacilos começamos a cometer, o perigo não era tão perigoso assim. Além disto, os dias que Tavares iria trabalhar











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Se aproximavam, então eu seria Dona Carol, senhora Carol. Eu sonhava com isto a cada VEZ QUE RESPIRAVA; EU PERTENCERIA A UM VERDADEIRO HOMEM GENTIL E AMOROSO. Certo dia ao sair da lavagem de roupa fui seguida por uma das maiores fuxiqueiras que ali trabalhava, mas dormente pelo desejo não percebi nada. As margens do Bodocongó, lado leste próximo a uma fonte nas pedras lá existente nos encontramos. Tínhamos que ser rápidos, pois a dor de barriga que fingia ter sempre para me afastar da turma não podia durar muito para não gerar desconfiança. Ao chegar no lugar Tavares estava a me esperar e sem analisarmos o ambiente começamos nosso intenso ato prazeroso e delirante que me levava as estrelas. Em pleno delírio de amor, aonde toda mulher chega às margens da loucura eu me derretei em águas quentes de amor e o suor descia pelo meu rosto e eu torcia o resto de roupa que ainda estava sobre me agüentasse o “Rojão” que estávamos tendo naquele momento. Seria o sexo o portal das estrelas? Acho que sim, pois todas as vezes que fazia eu viajava entre as mais distantes constelações do universo. Sempre no final eu deixava escapar um “grunido” alto que era retido com a mão na minha boca para toda cidade não ouvir.










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Eu não sabia por que algo tão gostoso era tão proibido principalmente para nós mulheres. Em meu delírio e grito final “desabo” ao chão entre as folhas sem forças para ficar de pé e quando olho ao redor dele estava: Mariquinha que assistia assustada ao nosso prazer. Saie correndo atrás dela para falar-lhe:
- Mariquinha espere, por favor, Não conte nada a ninguém, por favor!
- Dor de barriga em? Você estava “chamegando” não é?
- Por favor, nós vamos nos casar daqui a alguns meses. Não conte a ninguém, por favor, Mariquinha.
- Ta bom, mas todo segredo tem um preço. Você terá que lavar as minhas roupas também!
- Ta certo. Mas você me promete que ninguém irá saber?
- Prometo!
Fiquei pensando o que Mariquinha tinha com a minha vida, ela não era parente minha, nem tinha nenhum vinculo comigo, mas o segredo que ela sabia me fazia tremer de medo. Passei a lavar as roupas dela também e a me encontrar menos com Tavares. Era tanta roupa que eu tinha que lavar que as minhas cos-







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Tas não agüentavam mais e as vezes que eu e Tavares nos encontrava diminuiu muito. Mariquinha chegava a me humilhar quando eu não lavava bem as suas roupas e eu tinha que agüentar tudo calada. Existem pessoas que parecem com urubus, querem sempre nos devorar e para isto desejam apenas um tema, uma desculpa. Eu sonhava com a hora que Tavares me assumisse perante o meu pai e fossemos morar em qualquer lugar longe daquelas fofoqueiras. Os dias se passaram e as roupas trazidas por Mariquinhas aumentavam cada vez mais. Ela chegava deixava as roupas e ia embora voltando horas depois para buscá-las secas. Mulher fala muito e com isto pode ser uma qualidade ou um defeito vai depender como e de quem elas falam. Levando roupas como uma louca as mulheres começaram a falar sobre sexo quando uma delas disse que eu não poderia ouvir aquelas conversas e a outra respondeu que eu sabia de sexo bem mais que elas todas juntas.
- Ela sabe mais do que a gente sobre homem viril!
- O que foi que você disse?
- Meu bem você não é mais virgem todo mundo já sabe. Há, há, há!
- Não se preocupe as nossas bocas é um túmulo.
- Agora filha, parece que alguém está comendo da sua fruta também







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Preste atenção!
Naquela mesma hora eu deixei tudo e corri até as árvores onde eu e Tavares nos encontrava. A cada passo que dava uma angustia se apossava de mim, um medo de ver o que estava pensando que eu iria ver. Ao chegar ao lugar de nosso amor, vi Mariquinha e Tavares em pleno ato sexual escandaloso. Ela estava na mesma posição que eu ficava e ele delirava em seu corpo igual ao meu. Parada perante aquele ato eu não sabia o que fazer foi quando em delírios e risos eles terminaram.
Não tive palavras, apenas pulei sobre ela que ainda estava nua e bati com muita força. Brigamos no chão enquanto Tavares tentava nos apartar; Ela estava com um sorriso de deboche. Entre eu e Tavares houve terrível briga. Ela era casada e eu iria contar ao marido dela pessoalmente e prejudica - lá também.
- Calma Carol,dizia Tavares; eu fui chantageado por Mariquinha para fazer com ela o que eu estava fazendo com você. Se eu não fosse atender aos desejos dela ela me entregava ao seu pai. Perdoa-me, por favor!
Apesar da raiva e de falar muitas coisas contra









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ele aceitei as suas desculpas e em alguns minutos eu estava em seus braços em um delírio de posse, como se eu declarasse: Você é meu, só meu. A situação ficou complicada, pois eu não podia dizer nada contra ela e agora ela não poderia dizer nada contra mim já que eu sabia de seu adultério com Tavares. Mas as fuxiqueiras sabiam e era só uma questão de tempo para toda cidade saber. Mas se todos soubesse Tavares me assumiria e pronto. Com o passar dos dias aquela “safada” ia e voltava na direção do lugar de encontro voltando descabelada e desabotoada. Ela estava transando com Tavares, será? Aquele sorriso de deboche dela iria desaparecer assim que Tavares me assumisse. Homem é homem, mas o coração dele era meu, pensava eu constantemente.
Certo dia eu estava lavando as roupas como era de costume quando o meu pai chegou gritando o meu nome.
- Carol, Carol sua cabrita venha cá, agora.
- Sim senhor!
Eu nunca apanhei tanto e já no meio da rua eu levava lapadas de Jucá (planta nordestina) e todos olhavam para mim com olhar de dúvida do que estava acontecendo. Apanhei









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Muito e minha casa nunca foi tão longe quanto naquele dia.
- Entra rapariga, sua quenga. Você pensava que me enganava? Você vai ver.
- Pare com isto Zé, pare! Você vai matar a menina, pare!
- Não meu pai, não meu, por favor, por favor.
Eu apanhei que fiquei tonta e vomitei tudo que comi. Meu pai gritava, minha mãe chorava e meus irmãos e irmãs choravam também. Ele parava de me bater e depois de falar voltava novamente a bater em mim com toda força que tinha. Uma surra de Jucá doe muito e nem todos os homens agüentam uma e em prantos e dores me urinei toda. Que momentos tristes foram aqueles, pois até a minha mãe apanhou muito tentando reter a irá de meu pai. A vizinhança veio ver e seu José fechou a porta na cara deles.
- Sua cachorra, sua quenga safada você me desonrou, tirou a minha honra, acabou com o nome de nossa família, sua quenga.
- Calma Zé.
- Pai me perdoe, me perdoe...
- Zé, calma Zé vamos ouvi-la







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- Pai eu vou me cas...
Então eu desmaiei na sala vítima da tremenda surra que levei. Acordei-me só no outro dia e delirante sobre uma cama as minhas feridas eram tratadas com sal e vinagre. Eu apenas olhava para a minha mãe e ela para mim, parecíamos com medo uma da outra. Meu pai viajou e voltou três dias depois e disse-me – Vá embora da minha casa, aqui não pode ficar quenga por causa de seus irmãos. Maria “arrume” as roupas dela agora
- Homi, calma vamos conversar.
- “arrume” agora si não vai junto com ela.
- Pai o meu namorado é Tavares Correia de Oliveira ele vai me assumir assim que o emprego dele sair.
- Ele vai ter que assumir agora você não pode mais ficar mais aqui!
Então fomos atrás de Tavares na casa dos pais dele e chegando lá para minha surpresa ele tinha viajado com o trem que veio buscar algodão.
- Seu Antonio eu sou a mulher de Tavares há cinco meses e ele ficou de me assumir perante o meu pai.
- Eu não sei de nada minha filha, meu filho nunca disse nada

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Pra mim. Ele tinha muitas namoradas e de vez em quando uma mulher vem aqui querendo que ele assuma filhos e virgindades. Mas meu filho não tem nada com estas quengas não viu. Seu José quem é que prova que foi o meu filho que fez isto com sua filha?
Isto, ela já era mulher há muito tempo as lavadeiras sabem disto.
- Não seu Antonio, eu era virgem e seu filho prometeu casar comigo, eu juro!
- Todas juram minha filha. Espere ai que vou chamar uma pessoa.
Ela chamou uma lavadeira que pra minha surpresa era Mariquinha que disse que eu que andava atrás do rapaz e me jogava pra cima dele constantemente. Tavares não queria mais eu insistia muito, até o incomodava.
- Viu se Zé que a sua filha não é tão inocente assim! Ela era virgem como minha vó era.
- Me respeite viu, fale direita se não vamos nos “imendar” viu.
- Irado com a moral ferida meu pai voltou para casa comigo e me mandou servir o ultimo almoço em sua casa. E enquanto eu comia sem muito gosto meu pai preparava um trabuco e colocava na cin-






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Tura o que causou tanto medo. Aquele homem que tanto amava e chamava de pai estava transformado, era hostil e bruto e me tratava como jumento qualquer. O outro homem que tanto amei desapareceu, me abandonou e me fez de mentirosa. Tudo aquilo parecia um pesadelo e eu rezava para acordar deste horrendo sonho. Não podia ser verdade tudo aquilo, a qualquer momento eu iria despertar em cima d e minha cama sentindo o cheirinho do café de dona Maria. Para minha infelicidade tudo aquilo que estava acontecendo era pura realidade e eu andava como um zumbi, um ser sem alma nem destino certo.
Depois do almoço meu pai novamente colocou as minhas coisas sobre o jumento e partimos deixando a minha mãe a chorar muito. Para onde iríamos? Para onde meu pai iria me levar agora? Fomos em direção do açude de Bodocongó e do lado oeste para sul paramos em uma casa de quenga, a casa de dona Yayá, quenga chefe de um grande bordel no local.
- Pai, não pai, isto não! Por favor não.
- Você se perdeu minha filha, siga seu destino.
- Ele vai voltar meu pai e me levará. Ele vai voltar, eu tenho certeza pai, por favor...









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- Se ele voltar que venha te buscar aqui.
Então chorei muito e as lagrimas não me deixavam ver direito as coisas. Meu mundo estava desabando e eu queria morrer.
- Dona Yaýa, eu trouxe esta menina aqui que se perdeu, virou quenga. Vou deixar aqui pra senhora tomar conta dela. Ta certo?
- Seu Zé a casa ta cheia e eu não tenho onde colocar ela não.
- “arranje”” um lugar pra esta cabrita dona Yaýa.
- Ta certo seu Zé, mas ela é tão novinha!
- Chega de conversa dona Yaýa. A senhora vai ficar ou não?
- Ta certo, venha cá minha filha.
Aqueles dois pareciam tramar o meu destino, o meu enterro para a sociedade dos vivos. Enquanto as quengas retiravam minhas malas eu olhava para o meu pai que evitava olhar para mim. Era um conjunto de barracos de taipas, barro e madeira com muito lixo ao lado e vários cachorros magros a “latirem”. Naquelas não havia jardins com flores e sempre existiam um ou dois bêbados caídos ao arredor. Depois que as quengas retiraram minhas coisas do jumento meu pai pegou o mesmo e começou a ir embora. Eu corri chorando atrás dele o






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Chamando.
- Pai, pai, pai não me deixe aqui! Por favor, pai meu pai, por favor.
Mas ele nada me dizia. Não me respondia nada. Me agarrei com a perna dele enquanto dona Yaýa me tentava segurar e consolar.
- Papai eu sou sua filha mais velha, por favor. Não me deixe aqui meu painha, meu painha, painha...
Cai no chão e no chão olhava ele partir montado naquele jumento levando também o meu. Em prantos de morte eu desesperada para ouvir dele qualquer coisa disse:
- Benção meu pai, sua benção pelo AMOR DE DEUS.
- Deus te der vergonha em toda sua vida Ana Carolina!
Em prantos permaneci no chão até que vieram três ou quatro quengas em prantos também e me levaram nos braços chamando pelo meu pai. Elas choravam muito, pareciam reviveram os dias que chegaram naquele lugar tão triste. Eu queria morrer, desaparecer e nada me importava mais. Eu só chamava pelo meu pai e por minha mãe todas as horas e as quengas tentavam me consolar.








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CAPITULO 1V








Existem alguns pesadelos que são vividos acordados que desejaríamos de todo o coração que fosse apenas um mau estar da noite. No dia que cheguei na casa das quengas chorei muito, muito mesmo e por alguns instantes fui acompanhada por outras que me assistiam que nem mesmo conhecia a minha história. Dona Yaýa foi muito paciente comigo e durante uma semana ela não tratou nada comigo apenas perguntava se eu estava bem. Tudo era úmido um leve cheirinho de fumaça das lenhas dos fogões, os lençóis tinha um leve cheiro de cigarro. Era muito diferente do ambiente que vivi toda a minha vida até os quinze anos. A noite havia música, danças e muitas gargalhadas como se toda noite houvesse festa. O quarto onde eu estava ficava ligado a vários outros quartinhos que eram utilizados pelos casais em seus amores não me deixando dormir com tanto “ais e uis” que se faziam toda noite pelas meninas e pelos homens que estavam com elas. Era algo que misturava excitação e medo, pois era um mundo











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Que eu não conhecia. Realmente durando a noite era difícil dormir com aquela movimentação toda, música e sons de prazer bem ao lado da minha cama. O reservatório de lagrimas secaram, mas as cipoadas ainda doíam um pouco mas a minha mente ainda estava conflitante pensando para onde eu iria fugir. Mas para onde eu iria? Todos notaram que meu pai me trouxe para o meio das quengas para proteger minhas irmãs de saber o que soube, nisto quem iria me aceitar?
- Tavares eu te amei tanto Cadê você!?
- Eu confiei tanto em tuas palavras e me entreguei em tuas mãos a minha vida e tu jogastes ao chão e pisastes em cima dela.
Pouco a pouco eu criava certa raiva do homem como se esta espécie fosse má. Em minha cama de quenga eu sonhava ainda ser uma senhora de honra e teu um homem só pra mim. Algumas vezes eu pensava que Tavares iria vim me tirar deste inferno em outras fugir sem destino, mas eu era tão nova para sair do destino que meu amado pai me colocou. A sua moral era supostamente maior que a sua filha que ele dizia que tanto amava. Os dois homens que tanto amei me jogaram na vida que dificilmente eu sairia. Moral sem misericórdia se torna hipocrisia pura, pois meu








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Pai se sentia atingido por um erro que fiz com um namorado que me enganou, mas não sentia a sua moral atingida quando todos comentavam as suas espadinhas com as quengas que tinha em vários lugares nem com as noitadas nos bordeis da região. Eu não compreendia isto; será que era porque idade não permitia? A contradição parecia habitar no coração do homem, o ser humano é um ser extremamente contraditório.
Durante o dia eu ficava junto as meninas, mas um pouco estranha a turma de mulheres que estavam ali. Elas cozinhavam muito bem e apesar de estar muito triste eu estava em conflito e não me enturmava, porém tinha uma fome muito grande. A noite eu me trancava no quarto, mas não conseguia dormir com tantos “ais e uis, uhhh, ahhh” que haviam e que pouco a pouco me excitavam também. Como os casebres havia buracos pequenininhos onde eu passei a observar as quengas seus trabalhos e o que via era uma tremenda loucura sexual. Eu nunca vi tanto sexo e em uma noite de sábado uma quenga chegava a nove, dez homem que “botavam pra quebrar” naqueles corpos na maioria jovens. Pelos buracos eu observava tudo e via os nobres que viviam em seus palanques se renderem a duas penas aber-









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Tas. Era a incrível contradição da sociedade da época. Ver o prazer dos outros excita mais que ter pessoalmente e prazer em uma semana eu já estava ardendo de desejo. Eu estranhei porque minhas regras não vieram e vomitei algumas vezes. Mas eu pensei que era por motivo de tanta excitação não atendida ou o fato que eu estava dormindo muito tarde da noite. Para minha surpresa dona Yaýa disse-me que eu estava “prenha” de “bucho” o que me fez novamente sofrer terrivelmente.
- Carol, você ta de bucho e é um bucho muito forte porque não abortasse mesmo com tanta surra e problemas.
Eu estava de bucho e não sabia o que fazer nem a quem recorrer. Realmente eu estava perdida ao lado da Mata de Dona America Correia e do major Juvino seu esposo. As lagrimas já não caia mais apenas o brilho do meu olhar era fraco como de uma semimorta para a sociedade dos vivos. Uma semana depois da entrega na casa de Dona Yaýa minha mãe me visitou, trouxe-me comida e frutas e chorou ao me ver e principalmente em saber que eu estava de bucho de Tavares.
- Minha filha eu te amo tanto e vou tentar arrumar um lugar para você ir. Você sabe como é o seu pai? Ele tem medo das








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Outras se tornarem assim como tu.
- Eu não morri mãe, eu só perdi a virgindade!
- Você minha filha tem que sustentar o erro que fez. Eu vou tentar conseguir uma casa nos sítios pra você ficar.
- Mãe por amor de Deus me tire deste inferno!
- Aguarde, eu vou tentar tirar você mas até lá obedeça a dona Yaýa. Eu te amo!
Da janela da casa das quengas observei a minha mãe indo embora com seu jeito de andar. Eu sabia que ela estava tentando muito me tirar dali, mas ela temia pelos meus irmãos e irmãs. Se o meu pai fosse embora ela teria muitas dificuldades para criá-los sem um homem. Aquela cabocla iria fazer de tudo para me tirar daquela prisão social, mas mesmo de poucos anos de vida eu sabia que era necessária muita força para isto. Talvez ela não conseguisse, mas eu a amava mesmo assim, ela era uma grande mulher.
Dona Yaýa procurou-me para ter uma conversa amiga.
- Carol, gostamos muito de você e as meninas parecem simpatizar com você. Mas alguns vão reclamar se você não fizer nada. Além








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De lavar pratos e roupas você necessitará de dormir com homens.
- Dona Yaýa estou buchada. Minha mãe vem me buscar e ainda acredito que Tavares venha me buscar justamente com seu filho.
- Mas enquanto isto não acontece você vai precisar trabalhar para não causar em algumas revoltas. Você vai ganhar dinheiro todo dia e eu vou alertar os homens para não te machucarem, pois “tu ta prenha”. Eu vou escolher você para os melhores homens que vierem aqui e bastará um ou dois por noite.
- Ta certo dona Yaýa.
- O seu nome vou omitir, pois se você sair ninguém vai lembrar.
O seu pseudônimo será VERÔNICA a partir de hoje.
Verônica passou a ser o meu nome e a primeira noite que fui para o salão de danças foi muito chocante. Aquela ambiente de pouca luz com aquela vitrola tocando música de “ruedeira” com aqueles homens de bigodes finos e perfumes fortes e olhares cortejantes, pareciam logos olhando para uma coelhinha, carne fresca a vista e de fácil acesso. Novamente me senti em um pesadelo terrível e sem forças para acordar de toda aquela situação.
Meio perdida ando pelo salão batendo nos casais dançantes e sem saber onde e o que fazer, de que forma sentar, em que lugar.
Em minha mente eu gritava! Tavares meu amor cadê você, cadê você meu amor? Meu pai me tire deste inferno meu pai, por favor!
- A jovem quer dançar?
- È... Agora não viu.

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- Dona Yaýa mandou eu convida-la para dançar.
- Ta certo.
Começamos a dançar lentamente e enquanto aquele homem me levava o meu corpo a minha alma derretia dentro de mim descendo em meus olhos em forma de lagrimas. Abraçado bem juntinho ao meu corpo ainda de criança aquele homem nem mesmo percebia que as minhas lagrimas molhavam seus ombros e costas; mas ninguém percebia aquela angustia ou todos fingiam não ver. A música dizia: “Fingir você não sabe por que a dor que estás sentindo sabe que preferes morrer falaram mal de mim não quiseste acreditar agora pede clemência arrependida queres voltar. Agora é tarde hás de pagar o teu pecado, pois o amor fingido nunca deve ser perdoado.” Ao ouvir este letra eu chorava muito quase em agonia de morte, sem querer acreditar que eu era neste mundo que a poucos anos me recebeu uma QUENGA simplesmente quenga; sem vontade, sem lar, sem dono como um cão sem raça pedindo e sem ter ninguém que o assuma, dê comida e guarida para ele. Ah meu Deus que dor terrível! Quando as esperanças de uma pessoa morrem, toda pessoa morre junto com elas sem misericórdia alguma.
Eu só tinha visto um homem nu em minha frente que era Tavares, mas depois da dança não deu pra fugir e em um quarto pequeno e fedido me entreguei ao prazer com aquele homem que me fez delirar. Até me esqueci naquele momento que estava me tornando uma quenga do nordeste brasileiro. Soube depois que






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A maioria das meninas assistiam a cena no quarto ao lado e que havia uma lista de homens importantes para me possuírem. Prefeitos, veriadores, deputados, empresários e homens importantes da cidade souberam que havia uma quenga nova na casa de dona Yaýa. Dois todas as noites me possuíam e eu me sentia exausta e suja muitas vezes. Como diz o ditado o homem se acostuma com o bem e com o mal. Eu tinha uma idéia fixa em minha mente que iria sai Dalí, mas pouco a pouco fui levando para a normalidade todos os fatos que ali aconteciam.
Fiz amizade com as meninas e nos tornamos muito amigas. Existia Judite a mais brava de todas que batia em todos os homens sem distinção bastava insultá-la. Era uma ótima pessoa, amiga e simples, mas os homens que brincavam com ela, não a pagava ou tentava queimá-la com pontas de cigarro, apanhava feio e quem se colocasse no meio apanhava também; a mulher era uma fera. Tinha várias Anas: Ana Carla, Ana Cristina, Ana Paula todas elas tinham cabelos lindos e passavam o dia tratando deles. Tinha uma chamada de Severina e outra que se tornou minha grande amiga chamada de Sara. A mais nova era Nita que tinha apenas treze anos e veio de fora para a cidade com uma caravana que era comum na









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Época. Homens amigos das quengas saiam pelos sertões e traziam meninas para Campina, para fazerem “vida” nos cabarés da cidade. Era uma triste, pois casas de quengas para serem utilizadas como objetos de prazer enriquecendo as cafetinas da época. Muitas fugiam e outras conseguiam maridos e viajavam com eles era o movimento daquele campo de concentração social e moral.
Pouco a pouco passei, a saber, o sonho de cada uma daquelas mulheres: Sara desejava se casar, Ana Paula colocar a própria casa de quenga e Ana Carla de voltar para a família na Bahia com muito dinheiro. O maior sonho delas era realmente conseguir um homem para se casar mesmo que fosse velho. Pouco a pouco percebi que aquelas mulheres eram simplesmente humanas e como qualquer outra AINDA SONHAVA. É verdade que existem aquelas desbocadas que falavam muitos palavrões e demonstravam grande revolta, brigavam com todos, mas eu via que elas eram apenas revoltadas por serem tratadas como lixo humano restritas somente aquelas casas de taipas. A sociedade as tinham colocados no surbiu da vida e atribuído a elas mesmo praticavam. Muitas ainda era índias vindas de lugares afastados de










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Tudo e agora habitavam em outro lugar afastado também de tudo que se chama realização. Entre as quengas havia mulheres abandonadas pelos esposos que viajaram e nunca voltaram e pra elas não morrerem de fome com seus filhos optavam para a prostituição. Virgens perdidas como eram chamadas as mulheres que perdiam suas virgindades e o pai moralista as trazia ou enviavam para as casas das quengas. Mulheres acusadas de adultérios e julgadas pela sociedade acabavam morando no cabaré. Mas havia aquelas mulheres que vinham por vontade própria e se tornavam quengas por muitos motivos: Revolta contra a família, contra o marido etc. outras eram criadas no mundo como “Deus criou batata” jogadas pelas ruas e acabavam no cabaré.
A produção de meninos no Riacho das quengas era grande, pois não existiam meios de evitar filhos eficazes. Existiam alguns chás, mas era garantida. Também era utilizada pucumã (teia de aranha com fuligens de fumaça) para abortar, mas nesta tentativa algumas até morriam. Enquanto o meu “bucho” crescia outras meninas davam a luz ali mesmo através de parteiras que vinham aos barracos da taipa fazerem o parto. Na maioria










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Dos casos estas crianças eram dadas aos ricos da cidade que solicitavam as crianças até na barriga da menina. Outras deixavam nas portas dos ricos e os mesmo criavam aquela criança como se fosse sua. Estes fatos eram comuns em demasia e a produção de meninos eram muito grande.
O clima do local invocava uma Inteligência diferente, um clima de esperteza e clareza havia no meio de nós. Parecia que algumas quengas queriam ser mais moralistas que as mulheres da sociedade. Outras se entregavam a bebidas, principalmente quando ficavam velhas e os clientes as rejeitavam. As vezes encontrávamos quengas caídas e mortas as margens do açude de Bodocongó, elas morriam de tristeza e dadas ao vinho. Pobres e distantes da família, com seus corpos envelhecidos e rejeitados pelos homens elas morriam de tristeza e depois seus corpos morriam de álcool. Aquelas mulheres tão desejadas pelos homens morriam caindo os pedaços de seus corpos por doenças venéreas desconhecidas. Muitas delas morriam muito cedo de infecções desconhecidas e por terem pouca resistência a doenças morriam logo. As mulheres de origem índia que tinham pouca resistência










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Morriam logo. As doenças mais comuns entre as quengas eram uma coceira que às vezes atingia a todas, piolho que eram catados nas calçadas e mortos a unha. A coceira era tratada com banho quente de melão de São Caetano (planta local que serve para coceira).
As brigas eram comuns, homens contra homens disputando quengas, mulheres com homens por não pagarem a noite mulheres vinham buscar os seus maridos estavam em nossos braços e quengas com esposas enciumadas. Existiam tantas brigas que até nos acostumados com elas, até achávamos graça com a baixaria que de vez enquado nos visitava. A briga mais engraçada que presenciei foi a de Judite com dois homens, um irmão do outro que tentaram queimá-la com pontas de cigarro.
Coitados apanharam até umas horas. Judite era uma lutadora “nata” e a sua valentia a fazia enfrentar até a policia quando era chamada. “Eita mulher danada de brava”! A nossa policia era ela, verdadeira e apegada ao que certo ela nunca rejeitou uma boa briga. Ela tinha pernas fortes e braços potentes era uma verdadeira guerreira.











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O tempo passou rápido e eu dei a luz a um menino o qual chamei de Gabriel, o nome de um anjo de Deus. Nasceu lindo e o seu choro me agradava, era como música aos meus ouvidos sofridos. Fiquei com ele mais de seis meses quando me convenci que eu não tinha condições de criá-lo e mais uma vez na vida iria perder mais um homem que eu amava. Algumas memórias nos fazem sofrer muito e a dor parece nunca envelhecer. Fui até a casa do Majó Juvino esposo de Dona América Correia e deixei Gabriel em uma cestinha com roupinhas que eu tinha recebido de dona Yaýa. O menino chorou muito e o meu medo era dos cães da casa fossem soltos e devorassem Gabriel. Então segurei um pedaço de pau e coloquei em meu coração a disposição de correr e atacar os cães se eles fossem solto. Como tive medo daquele momento acontecer, mas repentinamente a porta se abre e uma mulher anuncia...
- Dona Marquinha é um menino! Um menino lindo venha ver!
Naquele momento eu não sabia se chorava ou se sorria, mas em minha face aconteceu os dois ao mesmo tempo. Minha face sorria, mas os meus olhos e coração choravam. As lagrimas caiam sobre os meus seios ainda cheios de leite para Gabriel mamar.









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- Será Deus que o Senhor me abandonou? Por que a minha vida é tão triste assim? Meu...
Depois de chorar muito até o soluço surgir sai sem graça e sem alma pela grande floresta que havia na região na época. Sai entre as árvores sem destino querendo morrer desaparecer da terra. Andei pela mata de Dona Merquinha até a mata do Joel que ficava ao norte do açude de bodocongó. Parecia que eu tinha nascido um lixo humano jogado nesta terra para “penar”
- Gabriel Deus te abençoe e te guarde, te torne um grande homem e te livre do terrível destino que sua mãe tem.















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CAPÍTULO V
Quando alguém nos trata como rei existe uma grande possibilidade de sermos reis de verdade e de ter comportamento real. Mas quando alguém ou a maioria das pessoas nos tratam como lixo temos a grande possibilidades de “federmos” como o tal. Era isto que acontecia com algumas destas mulheres que resolviam erradamente assumir uma posição de escória como a sociedade dos importantes queria que elas fossem. Apesar de aceitar a minha posição eu nunca me acostumei em não ter um lar, um homem uma vida de verdade. Eu estava decidida a fazer alguma coisa para mudar de destino. A primeira ação que resolvi fazer foi de aprender a ler e a escrever. Quem sabe se eu não conseguia um emprego digno? Dona Yaýa resolveu-me ensinar, mas se eu dormisse com mais um ou dois homens a mais para aumentar o lucro dela, de imediato aceitei. Comecei a aprender a cartilha do ABC que comprei no centro e até pregados nas paredes havia letras e nomes para que eu decorasse os mesmos, o que eu fazia até com aquele homens em cima de mim. Enquanto eles gemiam eu somava as letras escritas










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As transformando em palavras e em frases. Aprendi a contar dinheiro e a escrever o meu nome. Todos diziam que as letras que eu fazia as pessoas achavam lindas e eu sonhava em um escritório atendendo muitas pessoas da sociedade dos vivos. Eu queria que algo tivesse valor além do que estava entre as minhas pernas quando a menina era nova e bonita ela chegava a trabalhar duas vezes mais que as outras e se ela tornasse a preferência dos homens, ela não parava de atender, até durante o dia vinham fregueses. Foi o que aconteceu comigo, eu era nova, tinha alguma beleza e procurava fazer bem o meu serviço, nisto os clientes vinham todas as horas. No início eu pensava que era algo bom mais só muito depois eu percebi o perigo. Com dois anos eu era o sucesso da casa de dona Yaýa e até Nita ficava para trás apesar de ser mais nova eu agradava os homens e os deixava exaustos de prazer. Já que tinha que fazer as coisas, eu fazia bem feito para ninguém colocar defeito. Depois de dois anos engravidei novamente desta vez não sabia quem era o pai. Mesmo grávida a gente na casa de dona Yaýa não parávamos, pois tínhamos que pagar a estadia. Aprendi a ler e a escrever, faltava só um tempo para que eu deixasse aquela vida.









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Quando é que quenga não pode escolher homem, toda espécie de homem temos que aceitar. Tanto fazia se fosse um doutor, um homem bonito e jovem ou um homem sujo e maltrapilho. O pior deles são aqueles que têm vícios sexuais que na hora da cama querem mais do que é oferecido a eles ou passam a bater na gente para sentir mais prazer. Alguns sentem prazer no carinho outros na dor, estes associam o prazer a dor e são eles que mais nos dão trabalho. Outros pedem para que batermos neles ou o chamemos de infeliz, safado etc. Parece que no sexo os homens e as mulheres deixam transparecerem seus comportamentos mais íntimos, seus medos, suas fobias etc. È na cama que muitos se transformam, machões se aboiolam, os “mulherengos” brocham. A cama e uma mulher bonita sobre ela se torna às vezes um grande consultório para tratamento de vários males psicológicos. Muitos homens de poder recebiam o nosso conselho para seus negócios suas políticas deitados ao nosso lado, rendidos pelo nosso amor. Quando se é quenga tem que ser esperta e um clima de esperteza pairam no ar. Ao contrário do que muitos pensam, os homens procuravam as quengas porque queria trocar idéias com uma represen-







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Te do sexo feminino. Ouvimos muitas histórias de fracassos que eles evitavam contar para suas esposas e nisto ganhávamos fregueses fixos e admiradores secretos. Alguns nem mesmo nos tocavam, apenas conversavam, conversavam, choravam sobre os nossos seios desnudos. Era um consultório sexual! De muitos casos que sabia dois deles me lembro! Um deles era o caso de um homem da alta sociedade, da sociedade dos vivos que era traído por sua esposa descaradamente mas ele não tinha coragem de delatar a situação por causa da família dela e da riqueza que tinha. A mulher dele o dominava, tinha um caso há muitos anos com o caseiro dela e todos os serviçais sabiam, mas nada ele poderia fazer. Ele gostava dela e tinha medo de perdê-la juntamente com a riqueza que vinha da família dela tudo que tinha. Era uma situação muito triste que o fazia chorar várias vezes em meu ombro, o outro caso era de um homem que era Homossexual e que sofria com isto, ele queria que eu o fizesse homem. Eu batia a mando dele em seu corpo falava palavras de ordem e autoridade como – “Fale direito seu veado. Vire homem seu fresco. Tome jeito seu baitola... Possua-me seu fresco...” Era engraçado demais e eu morria de rir com estas taras loucas.










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O bom destes loucos embutidos era o dinheiro que eles davam a mais e eu guardava o mesmo para um dia que iria precisar. Cheguei a ganhar um conto de reis por cada um destes que eu fazia terapia. Na época as mulheres eram muito presas sexualmente e havia vários casos de mulheres que passavam meses para dormirem com seus esposos os quais vinha para os nossos braços todos os dias. Eu não compreendia como aquelas mulheres que viviam tão bem não conseguiam abrir as pernas para o homem que era seu. Na casa das quengas sabíamos de tudo que acontecia nos bastidores no mundo do poder, da alta sociedade. Com isto uma grande parte das quengas eram mulheres esclarecidas e sabiam falar “mano” a “mano” com os homens de seu mundo tão conturbado.
O problema estava naqueles homens que queria provocar dor na gente enquanto amava. Certo dia um homem com cara de cigano me contratou para o prazer e no ato ele apagou o cigarro em minha perna deixando uma marca em carne viva. Eu reclamei e fui segurada com muita força em um ato quase como um estrupo. Como havia muitos gemidos e sons nos quartos ninguém veio quando alertei o problema. Fui emudecida e apanhei muito enquanto ele obtinha prazer. Tentei de tudo para sair dele, mas ele era mui-










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To forte e só me deixou quando terminou. Ele jogou o dinheiro em cima de mim e saiu e eu fui atrás batendo nele até levar um murro muito forte. Judite saiu ao meu socorro pulou em cima daquele canalha e começou uma luta muito forte. Ana Paula pulou também e repentinamente três ou quatro companheiras fizeram o mesmo. Aquele grandalhão resistiu, mas acabou apanhando de todas nós até que dos quatro surgiram homens e deram a maior surra que já vi o deixando caído ao chão desmaiado. Dizem que a vingança é um prato que se serve frio, mas é gostoso; é e muito. Era a minha primeira marca de cigarro que se somava as cicatrizes que meu pai fizera com o cipó de jucá.
Peguei varias vezes coceira e piolho. Era uma coceira que não acabava mais e tinha uns carocinhos que ao coçarmos se tornava uma feridinha manchando mais ainda a nossa pele. Pouco a pouco as marcas nos denunciariam que éramos quengas onde fossemos. Eu tentava evitar isto com remédios e banhos constantes, afinal, depois de meu filho nascer eu iria procurar outro emprego. No mês de Maior meu filho nasceu, outro homem em minha vida e eu não queria ficar longe dele. Mas a








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Pobreza excessiva é uma maldição muito grande, pois o vivo miserável pode menos que o morto rico. A memória dos barões, poderosos e ricos pode mais que um vivo que não nada tem, é um morto vivo. Eu alimentava o meu filho e chorava por saber que teria que entregá-lo a outros braços que não eram os meus. As lagrimas caiam sobre os meus seios e escorriam até a boca de Miguel como eu o chamava. Era um nome angelical, quem sabe algum anjo o protegesse. Miguel era lindo e tinha um aspecto de caboclo, com cabelos bem fininhos como de índio.
- Meu filho eu te amo, mas a mamãe não vai poder ficar com você. Mamãe é uma quenga e eu não poderei criar você aqui neste ambiente VIU MEU FILHO! O papai mamãe não se lembra quem é, mas eu tenho certeza que ele te ama também, viu!
Então eu chorava amargamente. Parecia que chorar era o meu destino imutável. Eu era apenas uma quenga, o que eu poderia fazer, talvez eu fosse realmente fraca e desprezível como meu pai dizia em seus momentos de raiva, quando praguejava-me sem pena alguma.










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Depois de seis meses eu e Sara fomos a casa dos meus gentis clientes para deixar o meu filho em sua casa. Eu queria que todos eles ficassem próximos a Bodocongo, pois de uma maneira ou de outra eu acompanharia o seu crescimento. Quando colocávamos a criança em sua porta ela chorou e ele abre a porta assustado.
- O que é isto
- Estamos colocando uma criança para o senhor
- Só me faltava esta, duas quengas trazendo um filho de rapariga para eu criar. Saia daqui suas quengas safadas se não eu vou chamar a policia, saia, saia já...
Saímos rapidamente e assustadas com aquele homem que era tão simpático quando estava entre as nossas pernas e agora se mostrava um ímbecil bruto. Na volta encontramos uma família muito rica com aqueles carros que só pessoas muito ricas tinham. Na época só os ricos tinham carros e quem tinha um carro daquele só poderia ser muito rico.
- Sara, olhe só aquele barão. Miguel pode se da bem com aquela família.
- Verônica, eu nunca vi aquela família por aqui não, eles são







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Diferentes, parece ser dos estrangeiros.
- Vamos lá, vamos deixar a criança nos bancos do carro.
- Vamos!
Fomos e colocamos Miguel nos bancos do carro e ficamos olhando de longe. Aquele casal era xíque mesmo, a mulher dele usava até luvas brancas e um belo vestido. Ele encontram a criança no bando do carro e de longe olhei o brilho do olhar daquela mulher ao abraçar meu filho.
- Deus te abençoe Miguel e que esta família te faça muito feliz!
Enquanto aquela mulher rica abraçava a minha criança passamos ao lado dela e ela olha sutilmente para nós como se soubesse que era eu a mãe daquela criança. Então eu ouvi uma frase dela em voz alta como se quisesse que eu escutasse. – Que criança linda, eu vou te fazer muito feliz! Com lagrimas em meus olhos olhei para ela e como se os nossos olhares se combinassem a abençoei. Que triste sina é a da mãe que ver o que saiu de dentro dela nos braços de outra mulher. Mas com ela, ele teria muitas oportunidades na vida.








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O sentimento de incapacidade é igual ao sentimento de morte. É como se estivéssemos mortos e não conseguíssemos mover os objetos do mundo dos vivos. Algumas dores não passam, elas apenas recolhem-se para dentro de nós, para o mais profundo de nossa alma. Ela fica lá dentro e como um urso faminto sai de vez em quando e nos perturba nos devora por dentro. Eu não sabia para onde Miguel tinha ido, mas ele estava mais seguro que nos meus braços e isto era muito, muito triste para mim. A minha incompetência perante a vida me abatia cada vez mais. A dor da perda de mais um homem na minha vida me fazia sofrer e eu pensava comigo que alguma coisa eu tinha que fazer. Eu já sabia ler e escrever fazia conta com facilidade, então bastava eu procurar. Passei a buscar um trabalho no centro de Campina Grande todos os dias. Fazia a vida a noite e durante o dia buscava emprego. Campina Grande era a capital do trabalho e muitas indústrias havia, porém as maiorias dos trabalhos eram para homens. Eram necessárias muitas referências e na maioria dos casos eram dados trabalhos só pra quem era conhecido de alguém poderoso. Como quenga eu não tinha referencial, mas mesmo assim eu tentava buscar um meio de vida.










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Encontrei no centro da cidade de Campina uma fábrica de sacos de vários tipos. Trabalhávamos das 6:30 até as 11:30 das 12:30 as 17:30 e ganhávamos uma ninharia por mês e as vezes atrasava muito. Durante a noite eu servia os homens que buscavam trabalhávamos em conjunto com várias mulheres e homens e tudo ia bem até que alguém descobriu que eu era quenga. Repentinamente os trabalhadores começaram a me evitar e ninguém sentava onde eu sentava e não queria beber no copo d’água que eu bebia. Piadas indiretas começaram a ser ditas constantemente enquanto eu costurava os sacos. Piadas eram até suportáveis, mas quando os homens resolveram passar as mãos em mim começou a humilhação pública aonde todos iam por gestos ou passadas de mãe em mim. Eu tinha que resistir toda aquela humilhação, pois eu queria ser uma mulher da sociedade dos vivos, eu precisava viver.
- Ah, eu dei tanto ontem que nem posso sentar. Há, há, há!
- Eu to com uma coceira dana, “Eita gota” que xanha da mulesta, peguei no vaso.
Eram tantas as piadas e indiretas que eu recebia que as lágrimas desciam silenciosas de meus olhos.









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- Eu, Verônica eu tenho uma espada de dois palmos. Vamos lá.
- Cale a boca rapaz, Verônica já vai dar pra mim. Não é Verônica? Há, há, há!
Eu escutava isto o dia todo, era um apedrejamento constante e às vezes a minha alma sangrava. Com o passar dos dias as “direitinhas” se afastaram de mim e perto de mim só havia homens. Eu tinha que suportar, pois estava decidida a mudar mesmo que o mundo não quisesse. Em meio aos homens tinham chamado Benedito que me “aperriava” muito para que eu desse para ele o que dava na casa das quengas. Ele era insistente e “chato” e sempre colocava os outros contra mim. Mas eu não o queria com aquela cara de “gaiato” que tinha. Com a insistência dele o pior aconteceu, fui chamada no escritório pelo dono chamado Joaquim Almeida.
- Verônica é verdade o que se diz a cerca de você, que você é mulher de vida livre?
- Sim senhor, faço a vida, mas estou aqui trabalhando para sair deste destino terrível.
- É verdade que a senhora está se insinuando para os homens da fábrica?








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- Não senhor!
- Dona Verônica, estou recebendo muitas queixas por parte dos trabalhadores e as mulheres não querem utilizar o banheiro por sua causa.
- Eu não tenho culpa senhor, eu não tenho doenças.
- Eu não posso manter a ordem na fábrica assim dona Verônica. A senhora está despedida, venha daqui a um mês buscar o seu dinheiro.
- Por favor senhor Almeida não faça isto. Por favor, por favor!
- A senhora pode ir embora.
Eu sai e dei de cara com Benedito com aquele sorriso de deboche. Fechei a minha mãe e dei mesmo no olho dele. Nunca dei um murro com tanta força e nunca fiquei tão feliz por ver aquele infeliz cair sobre as máquinas.
Eu tinha a leve impressão que a sociedade não queria que eu deixasse de ser quenga. Continuei indiferente as indiferenças a buscar emprego pela cidade. Todos os dias eu ia buscar um trabalho aonde desconfiava que houvesse um. Eu necessitava deixar de ser algo desprezível ao mundo, eu existia e queria ser alguém nesta terra. Queria dizer para todas as pessoas







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- Eu estou viva, eu sou gente, eu existo.
A vontade era tão grande que eu chorava por qualquer motivo. Tentava buscar em meus clientes algum meio de sair daquela vida, mas nada havia para mudar o meu destino. Entre os meus clientes existia um homem chamado José Bastião da Silveira que a mais de um ano me visitava e pagava mais que era necessário. Ele um dia declarou o seu amor por mim e mostrou o desejo de deixar a sua mulher por mim e viajarmos juntos para a cidade Juazeinho. Mas eu não queria aquilo, ser feliz com a infelicidade alheia, eu não queria mesmo que aquela situação fosse desejada por todas as quengas que ali moravam. Ele insistia e sempre trazia um dinheirinho para mim como se já tivesse compromisso comigo. Era muito gentil e conhecia minha história desde que eu era gente, ou seja, moça. Para a sociedade da época parecia que eu tinha perdido a dignidade e a vida junto com o meu “cabaço”. Pedi a Bastião que conseguisse um trabalho para mim e ele se demonstrou disposto a isto. Em poucas semanas ele chega com um endereço para que eu trabalhe em casa de família. Fui até a referida casa próximo ao açude velho, lugar dos ricos da época. Era uma casa muito bonita e a família muito rica










Riacho das quengas – Joilson Assis 101


Por nome Queiroz. Era uma casa muito grande e tinha muitos objetos caros.
- Verônica é o seu nome não é?
- Sim senhora.
- Seu bastião enviou a senhora dizendo que o seu trabalho era de lavadeira do açude de Bodocongó. Certo?
- Sim senhora.
- Queremos que a senhora durma no serviço e limpe a casa, lave a roupa e faça comida junto com Benta minha empregada antiga. Vamos pagar a senhora 1 conto de reis por mês. A senhora poderá visitar sua família uma vez por mês e vossa mercês terá um quarto aqui nos fundos com banheiro individualizado. Ta certo?
- Sim senhora.
Que mulher firme ela parecia uma rainha com todo o império. Trouxe para casa dela as poucas roupas que tinha e dei as demais que não eram necessárias naquele novo ambiente. Aleluia, eu tinha encontrado o céu que há tanto tempo procurava. Eu já tinha quase dez contos de reis guardados, e era apenas questão de tempo para aumentar mais esta quantia












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E comprar a minha casa tão sonhadora. Finalmente tinha surgido grande chance da minha saída da casa das quengas e ser alguém da sociedade dos vivos.






















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Capítulo VI

Comecei a trabalhar na casa da família Diniz e a alegria não saia da minha face. Era uma casa linda, rica e era muito cheirosa. As pessoas daquela casa me tratavam muito bem, sempre pedindo por favor etc. Ah, eu era uma dama da sociedade dos vivos mesmo sendo uma simples empregada doméstica. Agora era apenas me educar e quem sabe não surgia um vigilante, um jardineiro para casar comigo. Graças a Deus e a Bastião eu tinha aquele lindo emprego. Ele me visitava de vez em quando e me trazia dinheiro e flores escondidas era um velhinho verdadeiramente simpático.
- Verônica, você está bem?
- Sim seu Bastião, estou muito bem graças ao senhor.
- Minha filha eu quero que você seja muito feliz e compre a sua casa e se um dia quiser ficar comigo para sempre basta chamar-me. Ta!
Será que aquele velho estava realmente apaixonado por mim? Ele tinha realmente me ajudado e o meu trabalho era um orgulho para mim. Eu era uma emprega doméstica com orgulho! Era uma grande realização para mim sair daquele ambiente aonde fui colocada. Passei vários meses em pleno sossego,












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Ajuntando meu dinheiro, mas infelizmente depois de ganhar a confiança de toda a casa e participar de suas festas e de sua mesa seu Diniz e seu filho passaram a demonstrar certa simpatia por mim. Além dos olhares os dois faziam de tudo para ficarem a sós comigo e isto acontecia todos os domingos pela manhã e a noite quando dona Diniz ia para a igreja com a sua serviçal fiel Benta. Os dois homens da casa de revezavam sem saber um do outro, em me seduzir. Eu não queria confusão, pois estava em plena realização, mas os dois insistiam então se juntavam a fome com a vontade de comer. Há meses eu estava distante de homens e bastava um leve toque para que eu me derretesse em desejos ardentes. Era uma tentação constante, mas eu estava disposta a resistir com todas as minhas forças. Todos ser que vive sobre a terra é contraditório e não existe nenhum ser que não se contradiga e às vezes o que está entre as nossas pernas domina o que esta sobre o pescoço, é uma verdadeira rebelião física. Beijos e amassos eu não consegui evitar e as mãos dos dois sempre amassavam na menor chance que tivessem. O pai e o filho os dois sem saber um do outro estavam tendo a mesma tara por mim, um desejo terrível por meu corpo. Eu não queria desagrada-los












Riacho das quengas – Joilson Assis 105


Mas eu não queria desagradar a patroa que tanto me considerava. Mas quem anda sempre na beira caba caindo no fundo! E foi o que exatamente aconteceu.
Em uma bela manhã de domingo eu cuidava da arrumação do quarto do casal quando seu Diniz entrou pela porta e disse que queria tomar banho.
- Vou tomar banho Verônica.
- Vou sair.
- Não, fique ai vou precisar de você.
Ele tomou o seu banho e saiu de toalha, desnudou-se em minha frente e mandou enxugar suas costas. Agarramos-nos como em uma briga e em prazeres nos afogamos naquela cama de cheiro maravilhoso e lençóis macios que pareciam me absolver de tão macios, de uma cor extremamente branca. Foi nesta cama que devoramos como dois famintos de amo. Parecia que vários pedaços iriam ser arrancados dos dois e o movimento de nossos corpos eram tão quentes que parecia que iria sair fumaça. Era uma loucura sobre aquela cama que tão limpinha foi manchada aos poucos com o nosso amor que respingava paixão por todos os lados. Aquele homem estava sedento e várias vezes inicia-










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Vamos aquela maratona do prazer o que nos deixou exaustos, quase em desmaios. Eu não queria aquela situação, mas ela veio com muita força e eu não consegui resistir.
Esta mesma situação aconteceu com o filho dele que insistiu muito para me possuir e em situação semelhante me entreguei ao prazer com ele também. Novamente eu estava sendo uma amante e o sexo que era tão bom me fazia sofrer e se colocava no meu caminho como uma pedra e eu sempre tropeçava nela. Mas como dizer não ao meu próprio patrão? E ao seu filho o que eu diria? Estarei eu sendo novamente quenga dos dois? Eu estava agora morando ao lado do Xíque açude velho
Aonde moravam os ricos da cidade de Campina Grande, mas eu não conseguia deixar de ser de homens que não eram meus. Dona Diniz com toda aquela autoridade de patroa sempre facilitava a minha estadia naquela casa a sós com seus dois homens, marido e filho, para minha surpresa os meses se passaram e ninguém percebeu a grande atividade sexual existente na ausência dela com seu esposo e filho. Nem mesmo os dois tomaram conhecimento do que o outro fazia. O filho de do-












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Na Diniz, Renato Lima Diniz era noivo de uma moça donzela da família Gaudêncio e era casamento certo. Era mais uma daquelas uniões que projetavam os dois para o futuro, mas enquanto a sua donzela permanecia pura aguardando o seu casamento, eu servia de amante para ele que em meus braços adormecia. As vezes eu tinha a impressão que Dona Diniz sabia do ocorrido no oculto dos lençóis, mas nada dizia, como se quisesse dar aos seus homens a oportunidade de estar comigo e desfrutarem uma nova mulher. Mas eu nunca tive certeza disto, mas sempre desconfiei, desconfiei mesmo. Era muito estranho principalmente quando ela viajava para a capital e passava lá alguns dias deixando os seus homens famintos de prazer justamente comigo eu era “comida” fácil para eles. Ela sempre levava Benta a sua serviçal de muitos anos e nisto os dois estavam nos meus braços por dois, três e até quatro dias de grande atividade. Era uma loucura!
As vezes os pobres são vítimas de suas próprias ignorâncias, pois expõem suas vísceras por qualquer motivo em nome de sua moral, de Deus ou de qualquer outra coisa semelhante. Já os riscos que eu convivi guardavam seus defeitos para resol-













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Verem entre paredes. Com palavras baixas quase ao pé dos ouvidos resolviam suas questões, mas os pobres “berravam” nas ruas o que aconteciam em suas casas. A moça que se “perdesse” naquele tempo entre os pobres era ridicularizada e uma grande parte delas acabava nas casas das quengas, mas entre os ricos este fato era ocultado até pelo noivo que percebia que sua esposa não era virgem. Em raros casos as moças xíques acabavam em um convento, santa e pura, mas suas vergonhas não eram expostas a todos. Moral sem misericórdia é pura hipocrisia e eu estava acabando de perceber isto. Meu pai não era um homem de moral, pois tinha várias quengas, batia na minha mãe e quis demonstrar moral em cima de meu erro isto impiedosamente me destinando ao submundo da sociedade. Depois que eu virei quenga ninguém da minha família tinha me visitado, nem os meus irmãos e irmãs que já tinham casado e organizado suas vidas. Para muitos de meus familiares eu tinha uma doença contagiosa e nem de longe desejavam me ver, talvez para eu não ir a casa deles. Eu tinha me tornado um LIXO DA SOCIEDADE DOS VIVOS E PARTICIPAVA DA SOCIEDADE DOS MORTOS. Mas graças












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A Deus ninguém da sociedade dos vivos tinha me conhecido naquela mansão dos Diniz. Nos meus horários vagos eu treinava a minha escrita e começava a escrever as minhas principais histórias. Esquecendo alguns detalhes eu estava me sentindo uma mulher da sociedade e até na mesa as vezes eu almoçava com a família que me acolhia. É claro que alguns pés debaixo da mesa me “cutucavam”, mas isto era apenas detalhe, apenas detalhe! Eu ajuntava dinheiro e já estava perto de conseguir o meu propósito de comprar a minha casa.
Eu gostava mesmo das festas com toda aquela comida de rico. Eu comia tanto que ficava triste e sem coragem. Era bom demais! Aquela família realmente constituída de pessoas tão legais que passei a pensar que aqueles eram meus verdadeiros parentes. Nesta caminhada feliz passei quase quatro anos e estava convencida que aqueles membros nobres daquela família me amavam, queria-me muito bem. O que me lembro de engraçado que dona Diniz e seus filhos até Benta a serviçal fiel pegaram uma coceira danada, eles se coçavam sem parar e disfarçavam quando as visitas chegavam, disfarce este que as vezes era













Riacho das quengas – Joilson Assis 110


Muito engraçado Ah, como era bom participar daquela família feliz. Bom mesmo era no natal, ganhávamos presentes e sempre havia baile com a minha música preferida! Escadaria. Bastião nunca deixou faltar meu presente no final de ano e escondido eu levava presentes para as minhas amigas de antiga profissão. Eu gostava muito de levar presente para Sara a minha grande amiga, dona Yaýa e Bianca que era uma prostituta das antigas que velha foi esquecida pelos clientes. Os homens não a procuravam mais e doente, faminta ela era sustentada pelos favores das quengas em atividade. Dava muita “pena” daquela mulher que era tão disputada pelos homens que chegavam até a brigarem, agora mendigava comida e transava até por um cigarro e um copo de cachaça. Na festa de final de ano na casa da família Diniz eu estava vibrante e até comprei um vestido novo e um rádio ABC Canarinho de seis faixas, pegava até os “estrangeiros” falando. Na festa veio gente de toda alta sociedade de Campina Grande, na festa tinha até barão do Algodão. Enquanto eu servia ao som da minha música preferida um grupo de DAMAS DA SOCIEDADE olhavam para mim como se comentassem alguma coisa. Como fui tola, pois pensei que elas estavam achando o meu vestido novo bonito, mas não era.
- Dona Diniz a senhora sabe quem é aquela ali?
- É a minha serviçal Verônica.
- Dona Diniz, aquela mulher é a pior quenga do açude de bodocongó. É rapariga brava e violenta e todos já conhecem a sua fama.







Riacho das quengas – Joilson Assis 111


- É?
- Sim, como a senhora permite uma mulher imunda daquela entrar em sua casa? Todas aqui já sabem quem é ela.
- Eu não como os doces servidos por ela.
- Eu também não.
- Calma meninas, ela deve ter deixado a vida há muito tempo.
- Menina? olha, aonde foi casa sempre será taipeira. (escombros)
- Eu não venho aqui com esta imunda. Não mesmo! Viu?
Na festa eu pensava que estava arrasando com o meu vestido novo, mas era apenas uma quenga no meio da sociedade dos vivos. No dia seguinte fui chamada por Dona Diniz que gentilmente conversou comigo.
- Verônica me fale a verdade, você fazia vida livre?
- Ah, o que? Quem foi que disse a senhora?
- Minhas amigas me contaram e houve um grande comentário ontem à noite na festa, o comentário foi geral.
- Que vergonha dona Diniz.
- Você foi quenga Verônica?
- Sim senhora, desde meus quinze anos quando eu me perdi.
- Então Bastião me enganou. Você realmente é uma mulher de vida livre
- Fui, não sou mais graças a Deus e a Senhora.
- Eu sei Verônica, mas o GRANDE comentário das minhas amigas me obriga a demiti-la.
- Dona Diniz, por amor de Deus não faça isto, eu não tenho pra onde ir; por favor, me deixe aqui.
- Infelizmente Verônica eu não posso deixar que falem mal de minha família por sua causa. Você, você infelizmente está despedida!









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Como doeram aquelas palavras, pareciam facadas em meu peito desferidas impiedosamente. Parecia mais um daqueles pesadelos e eu só esperava acordar. Corri para o meu quarto de empregada que era cheiroso e confortável e chorei, gemi e as lagrimas escorriam de meu rosto como água na rua em tempo de chuva. Chorei muito mesmo até soluçar sem parar. Benta a serviçal de estimação veio me consolar. Tento muito, mas não conseguiu para o sangramento que estava em minha alma. Ela me contou o que foi para mim de grande surpresa, ela relatou que também tinha sido prostituta no antigo lugar chamado barrocas, hoje feira central e que dona Diniz aceitou ela mesmo sabendo que ela era uma ex-prostituta e nunca passou isto em rosto. O problema era a sociedade constituída por suas amigas ricas que tinham espalhado para todo o assunto. A minha presença naquela casa atrairia comentários inúmeros sobre a sua família isto foi o motivo dela não me querer mais. Às vezes tentamos agradas mais os homens do que a Deus e fazemos mais coisas por causa do homem do que por causa de Deus. Era o fim, eu teria que dar adeus aquela família adorada e aquela casa tão confortável e cheirosa para voltar para aqueles becos de casa de taipas com cheiro de mofo e fumaça. Como eu sofri e só vim acreditar na triste realidade no dia da partida. Voltei à casa de dona Yaýa que me recebeu como uma filha. A partida, o adeus reúne em uma só dose todas as dores existentes e possíveis na alma. Novamente passei dias chorando a minha decadência ao lado do meu rádio ABC Ca-















Riacho das quengas – Joilson Assis 113


Narinho e o cachorro que trouxe da casa Diniz que eu chamei de Perf. Como chorei, gemi, gritei, mas parece que ninguém me ouvia. Parecia que eu era uma morta viva, ninguém se importava comigo, como um objeto descartável e já usado sendo inútil para a sociedade dos vivos.
Depois de chorar muito e gastar toda a reserva de lagrimas decidi em um ato desesperado ir até a casa de Dona Maria da Silva, minha mãe que há tanto tempo não a via mesmo morando na mesma cidade em bairros visinhos. Fui até ela com uma sementinha de esperança meia mucha, mas ainda insistente em permanecer em meu peito. No caminho veio à alegria de ver de longe a minha casa, era o meu lar que nasci e ainda permanecia em meu coração.
Meninas da rua – Ei olha Ana Carolina, há, há ei tudo bem aonde tu tava...
Mais vizinhas – Meninas entrem agora, entre vamos...
Aquelas vizinhas que me conheciam desde pequena recolhem suas filhas para dentro de casa e fecham as portas em um ato terrível de repúdio. Elas queriam impedir o contato de suas filhas e filhos comigo, afinal eu era uma quenga. Todas as casas se fecharam rapidamente como se existisse um terror me acompanhando. Nem uma palavras, um bom dia, me senti um fantasma vivo daqueles bem feios. Olhei para aquelas casas fechadas e aqueles olhos assustados olhando pelas brechas das portas e me senti um nada. Me dirigi a casa de minha mãe














Riacho das quengas – Joilson Assis 113 A


E chamei como um grito desesperado de ver alguém que me amasse, afinal ela tinha sido contra a entrega de meu pai.
Verônica – Mãe, mão mãe!
- Dona Maria – Verônica? O que você ta fazendo aqui danada?
Verônica – Benção mãe? Eu pensei que a senhora iria me chamar de Ana Carolina.
Dona Maria – Ah, sim. O que você quer Ana Carolina? Por que você veio aqui, você “num” sabe “que” seu pai não quer você aqui?
Verônica – Eu “tava” com saudades mãe.
Neste momento eu chorei como uma criança querendo colo. Será que meu pecado era imperdoável? Dona Maria a lavadeira se compadeceu de minhas lágrimas e abriu a parte de baixo da porta me deixando entrar e eu entrei debaixo do teto que havia nascido sentido o cheiro da comida que eu tanto gostava.
Maria – Sente aqui neste tamburete (bando de madeira). Minha filha você tem que ir embora logo antes de seus irmãos chegarem e se o seu pai souber, eu vou apanhar com certeza. Sim diga o que o que você veio dizer!
Verônica – Eu quero dizer que amo a senhora. Eu não agüento mais esta vida minha mãe.
Dona Maria –Ah, você tem que aceitar seu destino minha “Fia”
Verônica – Mãe, me tire daquele inferno, daquele campo de concentração. Mãe me salve!














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Dona Maria – Ah, meu Deus, eu não posso fazer nada, suas tias não querem saber da idéia de ter uma sobrinha quenga, não te aceitariam na casa delas.
Verônica – Eu limpo mato, cuido de gado, faço qualquer coisa.
Dona Maria – Minha “fia” aceite seu destino.
Verônica – Destino, não é o meu destino ser uma mercadoria barata, eu sou uma pessoa, eu sou gente. Mãe eu existo, eu sou Ana; sua filha!
Dona Maria a lavadeira amada olhava para mim com lágrimas nos olhos como aquela pessoa que olha o seu boi de estimação ir para o machado no matadouro. Em um breve momento ficamos sem dizer nada, só as nossas lágrimas falavam.
Dona Maria – Ta na hora de ir minha “fia”, se não o seu pai...
Verônica – Meu pai, aquele raparigueiro que tem várias quengas ele é um...
Dona Maria – Não fale mal dele pra você não ser amaldiçoada viu!
Verônica – Amaldiçoada, quer maldição maior que esta...
Dona Maria – Tome esse lanchinho, esta merendinha e vá embora.
Verônica – Me der um copo d’água.
Depois de beber aquele copo d’água sai da casa e pedi benção daquele que me gerou. Esta minha partida foi vagarosa e eu peguei uma pedra do terreiro bem varrido de minha mãe para guardar de lembrança. Recebi a sua benção e sai vagarosamente sem querer perder nem o cheiro daquele lugar que tanto amei.












Riacho das quengas – Joilson Assis 113 C








Como eu queria ser aquele cachorrinho deitado naquele terreiro cheio de flores e pedrinhas arrodeiando elas. Como eu queria ser aquele gato sarnente deitado em frente a porta da vizinha, mas talvez eu fosse pior que todos aqueles animais e não valesse mais cada do que o preço daqueles dois juntos – Ah, como eu desmontava a cada passo que dava; será que o meu valor estava concentrado apenas na minha vagina? Quem era eu no mundo, um ser desprezível? Andei e sai do meio daqueles terreiros, mas ainda em meio ao mato fiquei olhando o lugar de meu coração. As vizinhas saíram das suas casas onde se escondiam de uma fera raivosa que era o seu próprio preconceito, se escondiam de mim. Os meninos e meninas saíram a brincar e aquelas mulheres conversavam uma com as outras enquanto as minhas lagrimas cariam frias como a morte. Mas em suas mãos o tamburete e o copo que bebi água e joga os dois em um monturo existente próximo a sua casa. Ah, meu Deus, como aquilo me doeu, mas a dor tem um limite, depois de uma intensidade ficamos dormentes a realidade como zumbis que andam sem vida. Engoli a minha angustia e voltei à prisão de minha alma para morrer a morte dos culpados. Cheguei no cabaré e como uma morta viva me dirigi ao canto que achavam que era meu, mas algo me dizia e até insistia que eu fugisse daquela realidade.
















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Capitulo V11



De volta a sociedade dos mortos as lágrimas se tornaram em raiva, revolta contra tudo e todos. Como aquelas “bruacas” xíques eram mais importantes do que eu? Muitas delas não eram tão fieis assim aos princípios morais e eu sabia também de seus podres e as minhas amigas de trabalho sabiam mais ainda. A raiva me cegou e eu fiz cartas para os maridos delas contando as aventuras de suas santas mulheres. As cartas que distribui diziam em detalhes as aventuras de suas mulheres, mas aparentemente nada aconteceu. Como os ricos costumam resolver suas causas silenciosamente acredito que o assunto foi tratado entre paredes. Dona Diniz ainda tinha a minha admiração e respeito, mas o pior estava dentro de meu útero, um filho de seu marido ou filho. Era mais uma vida que estava para surgir no mundo que para alguns é gentil e para outros tremendamente cruel.
Os dias passam rápidos e as nossas forças se vão como água na seca. Bianca ainda continuava entre as quengas e bebia muito para afogar a idéia que tinha ficado velha e só, pobre e sem horizontes. Era uma tristeza ambulante! Um certo dia, grávida fui acordada por Sara.
- Verônica venha ver uma coisa, venha!
- O que é Sara?


















Riacho das quengas – Joilson Assis 115


Era o corpo de Bianca as margens do açude que ela viu ser construído pelo prefeito Cristiano Laurinthz, ao lado do riacho que traz o nome de um guerreiro: Bodocongó. Ninguém sabe por que ela morreu. Fizemos uma cova e enterramos a velha e sofrida quenga. Aquela que deu tanto alivio a vários homens não tinha nem mesmo onde cair morta. Ela tinha vindo da cidade de Pedra bonita, Itaporanga, ainda jovem e tudo que aprendeu a fazer foi ser mulher da vida. Os filhos que teve deu para ricos criarem, deixou nas portas o que saiu de dentro de seu útero e nem mesmo a sua família se importava com ela. Vendo aquele corpo caído junto ao açude de seus amores me assustei com a realidade final da maioria das quengas. Os homens passavam, olhavam e iam embora sem prestar nenhuma atenção.
- Quem é?
- É aquela quenga bêbada.
- Há ta vendo.
Bianca parecia que não tinha nome, era tratada como a quenga velha, a quenga bêbada etc. Será que ela não tinha sonhos? Será que ela não era gente? A realidade de Bianca me assustou tremendamente e repentinamente uma idéia sombria de meu destino se apresentou em minha frente. Eu não podia acreditar que, eu podia um dia adiante, estar como o corpo da velha e querida Bianca que nem mesmo sabíamos o sobrenome ou se este nome Bianca era o nome verdadeiro ou de guerra, um pseudônimo. Foi














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Triste a história final da ex-famosa Bianca, como tantas que ficaram velhas e morreram desprezadas por tudo e por todos. Não era de interesse de ninguém recuperar quengas, até o governo fazia vista grossa a nossa tão utilizada existência. Era realmente triste o final de carreira de uma quenga principalmente no Nordeste daquela época.
Passei a minha gravidez com as demais nos barracos de taipas e seis meses depois do nascimento de Dalva nome de uma estrela, coloquei na porta da família Diniz para ser criada. Não gosto nem de me lembrar deste dia, mas quinzenalmente eu de longe a visitava. Olhava para a minha linda garotinha brincando com bonecas caras nos jardins da casa. As vezes benta me via e dava a entender que ela sabia que Dalva era minha com algum homem daquela família. Mas ela poderia fazer o que? Era o sistema. A sociedade parecia condenar as quengas eternamente ao mundo dos mortos vivos e não permitia em nome de sua moral que estas pobres quengas deixem o que por falta de sorte, um dia abraçaram. Uma vez quenga jamais gente, era o que a sociedade queria.
Sara foi embora com velho vinte anos mais velho do que ela que a deu nome e um lar. Sara conseguiu o que era o sonho de toda quenga. Algumas não diziam mais isto, pois não tinham mais esperança para isto, mas eu sabia que necessitava sair daquela vida. Bastião continuava me chamando para morar com ele, mas eu não queria de modo algum. Mesmo com a recusa














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Ele continuava o mesmo cavaleiro de sempre. Às vezes me trazia flores, às vezes frutas frescas, peixes e até feira ele fazia e trazia para mim. Era realmente um homem muito bom. Já que eu não poderia ficar com Bastião cuidei de imitar Sara fazendo com que um homem Manoel da Silva resolvesse me assumir e me levar para casa. Ele me aceitou e me levou para o rancho dele que ficava próximo do sitio louzeiro. Ele morava em uma vila de quartos fedida próximo a mata do louzeiro. A muito tempo eu sabia de alguns problemas que ele tinha como beber muito e não ser totalmente viril, faltava-lhe constantemente as forças sexuais. O que eu não sabia estava próximo a descobrir era o fato dele ser muito violento e colocar a culpa da mulher de suas “brochadas”. Foi exatamente isto que aconteceu! Ele bebia demais e na hora do sexo falava o que trazia sobre ele uma enorme irá que era descontada em mim. Eu trabalhava para este homem como uma mula, lavava, passava as roupas, a casa e a noite acabava apanhando sobre a acusação de que não exercia bem o seu papel.
- sua quenga eu não me excito por sua causa, você é uma rapariga e eu não devia ter aceitado você...
Era tantas palavras fortes acompanhadas de palavrões que pouco a pouco eu me convencia que o Cabaré era melhor que aquele lugar. Eu precisava encontrar uma saída, mas parecia que não havia outra forma para que um dia eu fosse uma dama da sociedade dos vivos. A ingratidão tira a feição e aquele homem era um verdadeiro cavalo e cheirava como tal. Por amor a mim












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Mesmo eu tinha que suportar aquele porco, “fedorento”. Eu tinha dinheiro e o guardava bem guardado. Mas aquele bêbado roubou o meu dinheiro para jogar nos cassinos e no cabaré. Ele consumiu em poucas noites a economia de uma vida inteira e destruiu os meus sonhos de ter um teto só meu. Além disto, me batia todo dia e por qualquer coisa. Quem habita entre feras sente inevitável vontade de ser fera também e às vezes os que tentam, superam os que eram a muitos anos. Toda e qualquer raiva, ele de sua boca anunciava logo uma lista de palavrões a respeito de minha moral. Moral tem quem anda certo e aquele homem era um imoral, sem critério ou limites, era um verdadeiro animal! Como eu desejava deixar de ser uma quenga e ser uma mulher da sociedade, mas mesmo agüentando a ignorância daquele animal sobre duas pernas. Sara deu muita sorte e seu esposo a trata como uma princesa e de tudo ela tem. Para a cidade que ela foi ninguém sabe de seu passado, realmente ela se salvo, salvou-se do terrível destino das quengas. Eu tentei de tudo para mudar o coração do meu homem, mas todas as tentativas foram em vão. Que tristeza quando a gente encontra com a nossa própria incompetência! A tristeza me acompanhava e passei a pensar que a vida realmente tinha me rejeitado.
Na casa de Manoel sonhei um dia um sonho muito curioso. Sonhei andando em um jardim muito grande que tinha vários














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Canteiros vazios esperando sementes. Era um ambiente estranho, mas bonito. Comecei a andar entre os canteiros e de uma bolsa que apareceu em meu lado comecei a tirar sementes e jogá-las sobre os canteiros. Muitas sementes eu jogava e cada vez que eu fazia isto me alegrava com o fato. Rapidamente as folhinhas saiam do chão em uma rápida germinação que me fazia até sorrir de alegria. Repentinamente surgiram duas mulheres caboclas de cabelo bom, mas arrepiados, olhos esbugalhados e unhas vermelhas crescidas dando gargalhadas e por onde elas passaram as plantas por mim semeadas muchavam.
- Há, há, há queridinha, muitos não colhem porque não plantam, outros plantam, mas não colhem por nossa causa. Há, há, há!
- Saia daqui. Quem são vocês para destruírem o meu jardim assim? Quem deu autoridade para isto?
- Ana Carolina Trajano da Silva, nós somos heranças suas vindas de seus pais, há, há. Somos as maldições e viemos de dentro da boca de seu pai e de sua mãe.
- Você são espíritos de mortos?
- Nem todos os espíritos são anjos e nem de pessoas que já morreram. Somos as palavras de seu pai e sua mãe e a nossa função é cumprir os desejos dos dois mesmo que tenham surgido na raiva. Somos infertilidade em sua vida querida Ana e o que você planta nós cuidamos em destruir.
- Saiam da minha vida, do meu jardim, saiam agora!
- Não é assim queridinha, há, há, há, você terá que nos enfrentar se tiver coragem.
Aquelas duas mulheres, ou seres me davam medo e os seus olhos esbugalhados pareciam querer me consumir. Todo o jar-










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Dim que plantei estava mucho como em uma seca terrível e maldita. Empurrei as duas e corri, corri muito até que passei por uma gaiola de ferro com um imenso cadeado na porta e correntes cercando a gaiola. Dentro da mesma existia um velho aparentando setenta anos, com barba longa e branca e uma roupa verde com vários anéis em seus dedos. Tentei rapidamente retirar aquele velhinho de sua prisão, mas não conseguia até que me alcançaram as duas mulheres de olhos esbugalhados e cabelos crespos para cima demonstrando uma chave daquelas antigas.
- Solte ele agora.
- Ana Carolina você sabe o que diz queridinha.
- Como é o seu nome querido senhor?
- Meu nome é destino, seu destino minha filha que estas malditas prenderam.
- Mas por que o senhor veio tão ruim para mim, me fez sofrer tanto senhor destino. Por que o senhor não me dá uma saída para que eu deixe de ser quenga?
- Não sou eu minha filha, são elas! O destino de TODOS OS HOMENS sempre é bom e vem com o melhor planejamento de Deus o todo bondoso. Mas são elas que atrapalham a nossa função e levam as pessoas por maus caminhos, caminhos de sofrimento e dor. Deus não produz destino mau para ninguém Ana Carolina. Não foi deus que te transformou em Verônica, mas estas malditas.
- Me ajude, por favor, mude meus caminhos, por favor.
- Me solte e eu farei florescer o que plantas.
- Solte o destino malditas agora.
- Você terá que nos enfrentar e tomar a chave queridinha.










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Nisto eu passei a enfrentá-las e pulei no meio delas para tomar a chave na “tapa”. Lutei muito com elas e agarrada ao cabelo delas caímos no chão e eu me acordei. Que sonho louco, mas eu nunca me esqueci dele. Foi tão real que a minha memória trazia o mesmo à tona como algo realmente vivido.
Agüentei durante meses surras e palavrões daquele homem que em nada me valorizava. Talvez para ele Peri meu cachorro tivesse mais valor e o passar, lavar, arrumar a casa fosse o único motivo dele me sustentar, dele me manter em sua casa. As maiores surpresas não estão nas situações, mas nas reações que temos a elas, nos surpreendemos com as nossas próprias reações as situações e momentos. Confesso que já estava me acostumando a ser uma coisa e não um ser humano. Em um daqueles dias julgando ser merecidas aquelas tapas fortes na minha cara. Naquele dia além de me bater o monstro bêbado bateu com um pau em Peri quebrando a sua perna. Caída ao chão vi aquela cena que me causou grande irá. Fui até ele, peguei o pau e bati nele com todas as minhas forças, bati, bati nas pernas, na cabeça, nos joelhos enquanto o miserável pedia para parar, mas eu estava descontrolada. Bati com muito gosto e ele caiu sangrando ao chão e mesmo assim eu continuei.
- Seu bêbado miserável você quebrou a perna de Peri, seu miserável tome isto...
- Verônica você é uma rapariga imunda, sua quenga...















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Eu bati muito nele, eu gritava e batia, batia até ele não mais fazer reação alguma. Soltei o pau sujo de sangue e tremendo cai de joelhos no chão.

- Matei Manoel. Meu Deus o que vou fazer?

Peguei Peri e corri ao açude de Bodocongó para a casa de dona Yayá que tinha uma distância de quinze quilômetros. Com o cachorro grunindo em minhas mãos eu corri muito e constantemente eu olhava para trás esperando a polícia me alcançar. Na época o delegado da região era o Antônio Negreiros que era impiedoso e não gostava muito de quenga apesar de ser casado com uma embutida. Corri muito e as minhas pernas tremulas davam câimbras e a dor era muito grande. Suada e exausta cheguei às margens do açude dos amores e quase rendida ao destino trágico de ser uma futura prisioneira tomei o meu último banho no açude e as águas do rio Bodocongó se misturavam com as minhas lágrimas.

- Por que Senhor eu sofro tanto, por quê?
- Será que nasci para sofrer nesta terra? Eu só queria ter um homem só meu, uma casinha e filhos. Só isto Senhor!

Lavei meu corpo manchado por pontas de cigarros e arranhões em delírios sexuais, as manchas das sarnas que tive me sentindo um lixo um resto da humanidade que tenta desesperadamente me esquecer. Cheguei tomada banho em Dona Yayá e contei que tinha matado Manoel a pauladas e a qualquer momento a polícia iria vim me buscar.






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- Verônica você ta doida, você matou Manoel?
- Sim dona Yayá e vou passar os restos dos meus dias na cadeia.
- Calma filha, tudo tem jeito, só não tem jeito a morte.
- Socorro dona Yayá, o que vou fazer?
- Olhe, você vai pela mata de dona Marquinha e procure a fazenda do Major Veneziano. Ele é um homem bom e defende o pobre como se fosse familiar sua. Se você conseguir entrar na fazenda dele ninguém vai poder te prender. Todos dizem que o Major Veneziano é o grande defensor dos pobres da região e até as mais terríveis situações ele resolve. Corra antes que a polícia chegue, vá logo! Deixe Peri aqui comigo.

Então eu corri muito em direção a fazenda do Major Veneziano orando a Deus pra não ser interceptada. Naquela época a polícia ainda utilizava cavalos daqueles bem bonitos e de longe eu via a poeira que eles deixavam nas estradas de barro como era todas na época.

- Meu Deus que o Major Veneziano me ajude, por favor!
- Por que eu fiz aquilo?

Eu acho que nunca corri tanto na vida e as árvores da mata Dona América Correia e Major Juvino me escondiam da vista daqueles soldados. Talvez se fosse um rico e poderoso eles não viessem tão rápido assim. Cheguei depois de muito correr na fazenda do Major Veneziano, mas para minha infelicidade eles me acompanharam e se aproximaram rapidamente.

- Lá vai ela, peguem ela!

Desesperada corri ai lado da cerca até que resolvi saltar para dentro da fazenda do Major Veneziano em uma atitude de-






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sespero. Corri para o pasto de seu gado e os soldados saltaram atrás de mim e em uma corrida desesperada me pegaram.

- Me soltem, me soltem.
- Pega a quenga, segura.

Eles me seguraram com muita força e me conduziram em direção à cerca e eu chorava desesperadamente me debatendo. De longe vi cinco cavaleiros vindo rapidamente em nossa direção.

- O que é que estar acontecendo aqui cábras?
- Major Veneziano agente veio prender esta quenga aqui.
- Fale direito soldado, ela tem nome. Você está nas minhas terras viu. Filha o que aconteceu?
- Major socorro, por favor me “acuda”. Não me deixe levar por favor!
- Soltem ela ouviu cábras.
- Major temos ordem para leva-la agora.
- Você está em minhas terras, você faz o que eu quero viu: Solte ela agora.

Enquanto eles conversavam o delegado entrou pela cerca e tentou argumentar com o Major Veneziano.

- Major Veneziano bom dia. Agente veio prender esta mulher por tentativa de assassinato e ela invadiu suas terras. Mas não iremos incomoda-los mais viu. Tragam ela!
- Espere um pouco delegado, ta vendo aquelas cercas ali. Aqui é meu e quem manda aqui sou eu. Deixe a menina e vá embora agora.
- Mas coronel...
- Saiam agora, quem tá mandando sou eu. Cale a boca e saia sem










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Reclamar

Aqueles homens fartados saíram acompanhados dos jagunços do Coronel e eu chorava junto a ele no almoço. Tomei banho e almocei na cozinha da fazendo por vergonha de me juntar a mesa, mas ele chamou várias vezes. Eu sabia que o Major era uma pessoa boa: o Major Veneziano me acolheu durante duas semanas até que o processo não oferecesse risco de prisão. Manoel não morreu como eu pensava como um vaso ruim não quebrou mesmo com tantas pauladas. A fama de bom e defensor dos pobres do Major Veneziano cresceu e atravessou os tempos, bastava alguém segurar na cerca da fazenda do Major para que a polícia não prendesse. Realmente o Major Veneziano foi um fenômeno em defesa dos pobres e das classes menos favorecidas.

Voltei a casa de Dona Yayá e junto ao seu Cão Peri seguia o meu destino. Eu não me acostumava ao destino de quenga e ficava dias e noites planejando deixar aquela vida. Pedi auxílio a Santa Igreja mas não existia projeto para recuperação de quengas na mesma. Até ser freira eu pensei, mas não deu certo. Passei a vender raízes na feira grande, mas o dinheiro mal dava para comer e eu voltava à vida novamente. Houve uma seca muito grande naqueles anos e a fome foi grande entre os pobres e tudo se tornou caro demais. Bastião continuava na sua tentativa incansável de me conquistar, mas eu não queria atra-















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palhar a vida de sua mulher nem de seus filhos mesmo que sua esposa não acreditasse nisto. As vezes ficava muito triste e em outras vezes me alegrava pois o melhor da vida é viver. Bastião fez uma música muito bonita em minha homenagem e costumava contar quando estava comigo.

- Verônica me sinto tão só
- Quando não estás junto a mim
- Verônica eu quero dizer
- Que te amo tanto, que não posso mais
- Que te quero tanto amor.

- Quero os teus olhos olhar
- Quero tua boca beijar.

Ele cantava todas as vezes que estávamos juntos e dizia que um dia iria encontrar um cantor com uma voz muito bonita para cantar para o Brasil toda esta música. Aquele velho era o homem mais amável que já conheci. O seu amor se constrangia e me fazia de certa forma amá-lo também. Eu que só conhecia Campina Grande iria ser cantada em todo Brasil. Quem sabe que um dia conseguiria? Quando ele cantava esta música para mim eu chorava muito como se lamentasse o meu destino e como o meu nome de guerra ficava tão lindo na boca daquele homem que jurava amor eterno por mim e até uma música tinha feito em minha homenagem. Realmente o amor gera a melhor das melodias que acalenta todas as almas.








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Alguns meses eu me dediquei somente a Bastião e para a felicidade dele engravidei mais uma vez.

- Finalmente um filho meu grande amor.
- Bastião eu não quero confusão com sua mulher viu.
- Isto nada haver tem com ela, eu vou ter um filho e vou amá-lo e criá-lo.

Enquanto mais uma vez a minha barriga crescia eu ainda tentava deixar a vida e até os crentes eu busquei para ter uma alternativa de fuga da vida livre que levava. Fui à igreja e eles oraram muitas vezes em minha cabeça e até falaram um idioma estranho sobre ela, mas apesar de ter boa vontade para comigo eu ainda morava nas casas das quengas e me prostituia para sobreviver. Eles oravam, oravam, mas nada fazia para que eu tivesse uma fuga da vida livre.

- Pastor o senhor sabe que eu sou uma quenga e desejo muito sair desta vida para servir a Jesus. Mas não tenho o que fazer nem como sair desta vida. Ajude-me, por favor!
- Você está errada minha filha, você está em pecado contra Deus.
- Pastor me ajude, o senhor não tem um emprego para mim de zeladora ou qualquer coisa?
- Não, eu não tenho. Mas vou orar por você.

Realmente eu era uma pecadora mas como deixar de ser? O que fazer, quem queria me aceitar, em que eu iria trabalhar? A própria sociedade fazia força para eu esquecer de minha existência. Até os meus pais nunca vieram me visitar desde que eu me deixaram para ser quenga, uma excluída da sociedade. Mas mesmo sem







Riacho das quengas – Joilson Assis 128



a minha família se preocupar comigo eu fui até eles. Foi necessário procurar pois meu pai mudou de casa várias vezes mas finalmente eu encontrei. Bati palmes enfrente a casa quando minha mãe saiu e assustou com a minha presença.

- Ana Carolina?
- Sim, mãe; Sua benção.
- Deus te abençoe minha filha.

Eu entrei em sua casa e não tínhamos muitas palavras para falar. Existiam muitas crianças correndo pela casa, eram os netos da minha mãe filhos de meus irmãos e irmãs que ainda moravam dentro de casa.

- Mãe que meninos lindos!
- São de seus irmãos e irmã que moram aqui conosco e outro mora ao lado.
- A senhora vai ser avó novamente, eu estou com sete meses, e acho que vai sair menina.
- Sim, mas que surpresa é esta de você vim aqui me visitar?
- Tive saudade mãe da senhora e do papai.
- Ele continua o mesmo, daquele mesmo jeito, não mudou nada. Falando nisto é melhor você ir embora antes que ele chegue. Qualquer dia eu vou lhe visitar lá em dona Yayá.

A minha mãe não demonstrou nenhuma alegria por ter mais um neto neste mundo e nem mesmo perguntou se eu tinha outro filho e onde estavam. Até as crianças que brincavam em sua casa foram impedidas de se abraçarem como se eu fosse contaminá-las. Meus irmãos e irmãs eram seres vivos mesmo eu uma morta que insistia em viver no meio dos vivos. Até a água foi me servida em um copo velho, talvez para jogá-lo fora depois.









Riacho das quengas – Joilson Assis 129



Eu estava me convencendo que a minha pessoa imunda para uma sociedade imunda que éramos todos. Quando sai da casa da minha mãe sem nem mesmo ela insistir que eu ficasse mais um pouquinho beijei, mas não fui beijada em resposta. Eu saí com a minha alma cambaleante dentro de mim, como se ela estivesse bêbada. Eu me sentia um lixo humano, uma escória dos vivos e inteligente. Talvez junto com o meu cabaço eu tenha perdido toda a dignidade e virtude de uma vida inteira e tenha me tornado algo imprestável neste mundo. Os crentes diziam que se eu me arrepender Deus apagará os meus pecados, esquecerá os mesmos mas o problema não estava em Deus esquecer mas na sociedade que não me perdoaria nunca. O que fazer para sair do mundo dos mortos e vivos e participar da sociedade? O encontro com a minha mãe e o alerta dela para que eu fugisse para não me encontrar com o meu pai me desmontou por dentro e eu desejava morrer. Por que nasci, para se tornar um zumbi ambulante? Os homens desejam a misericórdia de Deus e o perdoam, não exercem a misericórdia que chamam constantemente sobre se. Cheguei às margens do Bodocongó e pingou como se procurasse alguém que não tinha nojo de mim, de meu corpo, do ,eu sentar, da minha roupa, de mim. Naquela noite eu chorei muito e o meu leito se umedeceu de lágrimas.

Durante o dia as quengas costumavam sentar nas cal-



















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çada conversarem à bordar roupas e toalhas que as ricas compravam para embelezarem suas casas xíques. Passou uma velhinha e falou comigo e em meio a tristeza eu disse a ela que eu estava sem esperança pois era apenas uma quenga e ninguém me queria.

- Minha filha, Deus ama a todos. Não diga isto que uma das avós de Cristo era uma prostituta de Canaã e mesmo assim ele entrou na família dele e está a sua presença na Bíblia. Deus não é ignorante como os homens que estão a nossa volta.
- Deus deixou uma ex-prostituta entrar em sua genealogia?
- Sim minha filha, Deus não vê como o homem ver, Ele tem os olhos eternos.

Foi a coisa mais interessante que eu já ouvi. Eu não sou escória para Deus como sou para a sociedade. Esperei com ansiedade a visita do velho Bastião e depois de dormir com ele fiz um pedido.

- Bastião, eu quero que você compre uma coisa pra mim.
- Sim minha fofa, diga o que você quer.
- Eu quero que você compre pra mim uma Bíblia que tenha o velho testamento.
- Uma Bíblia mulher, que idéia foi esta?
- Sim, me compre uma Bíblia urgente.

Ao completar os nove meses Bastião me deu uma Bíblia muito bonita e eu dormia com ela. Tive uma linda garota e coloquei o nome dela de Iris e a dei ao seu pai para que ele a levasse para a casa. Para a minha surpresa a mulher dele aceitou a crinça e a criava com tanto amor que me surpreendeu. A vida












Riacho das quengas – Joilson Assis 131



realmente é cheia de surpresas a cada curvas que passamos. Continuei na minha vida e de vez em quando Bastião trazia Iris para eu ver e a esta filha eu podia abraçar e abençoar para que ela tivesse uma vida bem diferente da minha. Eu não me acostumava com a vida livre das Quengas que levava e tentava de todas as maneiras deixar...





































Riacho das quengas – Joilson Assis 132



Ana Carolina Trajano da Silva, Verônica morreu em dezembro de 1942 com 35 anos de idade. Vítima de uma infecção não diagnosticada. Uns disseram que foi mau de parto recolhido, outros que foi doença venérea, alguns pneumonia e ainda alguns que disseram que foi mau de Quenga. Ela foi enterrada no cemitério do Monte Santo em Campina Grande e todos os custos foram pagos por Bastião.

Dona Yayá anos depois foi para Recife e foi acolhida por uma filha que tinha lá. Em seu lugar ficou Nita que se tornou famosa e morreu com mais de oitenta anos. Do cabaré de dona Yayá surgiu Antonia que também fundou um cabaré famoso no bairro da Palmeira chamado Cabaré da “Veia Otonha” que acolheu centenas de meninas da vida livre.

Judite deixou a vida e ganhou uma casa do prefeito no Bairro do Louzeiro. Continuou simpática, conversadeira mas não levava desaforo pra casa. Por isso mesmo ela continuou famosa entre os policiais no qual batia quando enfurecida.

Ana Carla e Ana Cristina conseguiram casamento e conseguiram se tornarem mulheres da sociedade. Ana Paula morreu de infecção aos vinte e sete anos de idade. Severina conseguiu ajuntar dinheiro e comprar uma casa. Ela conseguiu trabalhar na Ipelsa por toda sua vida, criou seus filhos e se tornou crente da Igreja Assembléia de Deus do Bairro da Prata.

Sara deu muita sorte, casou-se antes de Verônica morrer, ficou viúva e casou com um barão do algodão. Ela tinha até















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um carro. Sara foi a mais bem sucedida das ex-quengas e morou em uma cidade do interior.

Uma grande parte das quengas desejavam apenas um homem para ser seu dono, mas não conseguiram. Morreram jovens vítimas de doenças como cífilis, câncer de útero e febres desconhecidas. Está nestas mortes um grande enigma, pois algumas destas jovens não suportavam vinte anos de vida livre, morriam por diversas doenças venéreas, mas outras, as que escapavam, conseguiam uma longevidade muito grande que chegava próximo aos noventa anos. Este mistério sempre foi motivo de comentário mas acredita-se que a imunidade das mulheres era o fator importante nestes resultados.

Centenas e até milhares de filhos de quengas foram criados pela nobreza e nem mesmo tomaram conhecimento disto. A produção de crianças na época era muito grande devido não ter anti consepcional. Muitos nobres e dominantes são verdadeiramente filhos das putas.

Cabaret – No Frances
Os cabarés (Caburé no Tupy – Ave Noturna) dominaram áreas inteiras nas décadas de 1910 até 1980 aonde ouve uma mudança brusca de visão acerca do sexo. Milhares de Jovens “Perdidas” foram impiedosamente JOGADAS nos cabarés para serem quengas e pagarem o GRANDE ERRO que fizeram as vezes enganadas e as vezes por amos se entregaram. Milhares de sonhos foram perdidos por causa de uma virgindade perdida e as pequeninas sujas e pobres casas das quengas se enchiam de lágrimas e revoltas pais e amantes fujões. As casas das quengas eram ver-














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dadeiros campos de concentrações que dificilmente uma mulher escapava. A moral da sociedade da época formava uma verdadeira cerca elétrica que não deixavam as quengas caírem para a sociedade dos vivos. Sem dinheiro, sem moral, sem assistência técnica e religiosa muitas quengas tombavam com doenças ainda na mocidade e as velhas morriam de beber para esconder seu desgasto de viver.

Muitos prefeitos tiravam das cidades que crescia os barracos das quengas e não proporcionavam para elas nenhuma assistência. Era apenas uma retirada do que se desagradava aos olhos das madames xiques e dominantes.

Bastião amou Verônica por toda sua vida e as músicas que fez em homenagem a ela entregava a cantores de cabarés que decoravam as belíssimas melodias. O Rádio e o Cão Peri foi a única herança que Verônica deixou com Bastião para Iris a filha do amor dos dois. Bastião visitava periodicamente o túmulo de Verônica e segundo os coveiros ele como um louco ele cantava a música chamada Verônica ao lado do túmulo todas as fezes que ia visitar seu grande amor. Sebastião foi encontrado morto ao lado do túmulo de Verônica sua amada como se tivesse morrido de saudade.





















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- Seu Bastião o cemitério vai fechar. Seu Bastião o cemitério vai fechar: “Danado esse homem doido vai atrasar agente.” Seu Bastião ta surdo é?

O coveiro Toinho com seu chapéu de palha e seu cigarro de palha entrou meio “zangado” para falar com Bastião que o cemitério ia fechar e encontra entre os túmulos Bastião caído ao lado da cova de Verônica com o seu violão do lado dele.

- Seu Bastião, seu Bastião... Eita danado o que ta acontecendo... Seu Bastião acorde... Minha Nossa Senhora... Mané corra cá homi, vem cá, seu Bastião ta caído aqui no chão... seu Bastião...
- O que é macho?
- Oia só, Bastião ta caído...
- Eita danado será que ta morto?
- Sei lá Mané acuda aqui logo!
- Segura o homi direito danado... Logo, levanta agora...
- Ele ta morto Mané.
- Ta não foi um passamento vice vamo, vamo homi...
- Bote ele nas minhas costas...
- é mior nos braços, vamo, vamo, vamo...

“Verônica me sinto tão só, quando não estás junto a mim. Verônica eu quero te dizer que te amo tanto que não posso mais e que te quero tanto amor...” Fim

















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TRIBUTOS AS INJUSTIÇADAS



As milhares de mulheres em todo Brasil principalmente no Nordeste que injustamente foram jogadas como lixo humano nos campos de concentração moral fingida e da hipocrisia das classes dominantes chamadas de cabarés, casas das quengas.

A vocês que até por amor se entregavam aos cafajestes e foram impiedosamente punidas por pais ingratos querendo justificar-se perante a sociedade hipócrita que formávamos. A Vocês que perderam seus sonhos mais íntimos, sua mocidade e que foram usadas como objetos sexuais por homens tão moralistas. A aquelas que a sociedade tentou apagar de suas mentes e vistas, fingiram que vocês não existiram. À aquelas que tiveram os seus corpos manchados por pontas de cigarros e cífilis, surras e morreram abandonadas pela medicina de doenças desconhecidas que eram chamares de mau de quengas.

A todas as mulheres injustiçadas de meus país!

Joilson de Assis da Silva























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Autor de várias obras literárias, Teólogo, Cristão, sensitivo ao ambiente e ao espiritual a maneira de Joilson Assis da Silva escrever é único. A forma dele se expressar nos faz viajar em suas letras esclarecedoras. Joilson Assis tem 35 anos e vinte que trabaçha diretamente com pessoas e nestes contatos a sua maneira analítica faz grandes observações filosóficas e ideológicas.

Simples e do povo Joilson cultiva a boa conversação principalmente com os mais antigos colhendo deles suas histórias e observações. Emocional e Romântico Joilson fazem de suas letras teclas de um piano da onde tira lindas melodias históricas e emocionantes. Como palestrante o autor aprendeu a ver amplamente os assuntos por diversos ângulos, balizá-los e os expor com sutis opiniões. As emoções foram dos seus escritos que ainda não foram que ainda não foram publicados, mas quando isto se fizer o sucesso será inevitável. Conhecedor das histórias e estórias a sensibilidade do autor faz de seus livros uma nave de viagem pelo tempo e pelos estados da alma humana.



Ceza Carneiro Bezerra





















Joilson Assis da Silva
R.: Severino Lopes Barbosa, 258
Bodocongó 11

Campina Grande – Paraíba Brasil

0xx83 8720-5989 / 88924192



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