Na casa de Manoel sonhei um dia um sonho muito curioso. Sonhei andando em um jardim muito grande que tinha vários
Riacho das quengas – Joilson Assis 119
Canteiros vazios esperando sementes. Era um ambiente estranho, mas bonito. Comecei a andar entre os canteiros e de uma bolsa que apareceu em meu lado comecei a tirar sementes e jogá-las sobre os canteiros. Muitas sementes eu jogava e cada vez que eu fazia isto me alegrava com o fato. Rapidamente as folhinhas saiam do chão em uma rápida germinação que me fazia até sorrir de alegria. Repentinamente surgiram duas mulheres caboclas de cabelo bom, mas arrepiados, olhos esbugalhados e unhas vermelhas crescidas dando gargalhadas e por onde elas passaram as plantas por mim semeadas muchavam.
- Há, há, há queridinha, muitos não colhem porque não plantam, outros plantam, mas não colhem por nossa causa. Há, há, há!
- Saia daqui. Quem são vocês para destruírem o meu jardim assim? Quem deu autoridade para isto?
- Ana Carolina Trajano da Silva, nós somos heranças suas vindas de seus pais, há, há. Somos as maldições e viemos de dentro da boca de seu pai e de sua mãe.
- Você são espíritos de mortos?
- Nem todos os espíritos são anjos e nem de pessoas que já morreram. Somos as palavras de seu pai e sua mãe e a nossa função é cumprir os desejos dos dois mesmo que tenham surgido na raiva. Somos infertilidade em sua vida querida Ana e o que você planta nós cuidamos em destruir.
- Saiam da minha vida, do meu jardim, saiam agora!
- Não é assim queridinha, há, há, há, você terá que nos enfrentar se tiver coragem.
Aquelas duas mulheres, ou seres me davam medo e os seus olhos esbugalhados pareciam querer me consumir. Todo o jar-
Riacho das quengas – Joilson Assis 120
Dim que plantei estava mucho como em uma seca terrível e maldita. Empurrei as duas e corri, corri muito até que passei por uma gaiola de ferro com um imenso cadeado na porta e correntes cercando a gaiola. Dentro da mesma existia um velho aparentando setenta anos, com barba longa e branca e uma roupa verde com vários anéis em seus dedos. Tentei rapidamente retirar aquele velhinho de sua prisão, mas não conseguia até que me alcançaram as duas mulheres de olhos esbugalhados e cabelos crespos para cima demonstrando uma chave daquelas antigas.
- Solte ele agora.
- Ana Carolina você sabe o que diz queridinha.
- Como é o seu nome querido senhor?
- Meu nome é destino, seu destino minha filha que estas malditas prenderam.
- Mas por que o senhor veio tão ruim para mim, me fez sofrer tanto senhor destino. Por que o senhor não me dá uma saída para que eu deixe de ser quenga?
- Não sou eu minha filha, são elas! O destino de TODOS OS HOMENS sempre é bom e vem com o melhor planejamento de Deus o todo bondoso. Mas são elas que atrapalham a nossa função e levam as pessoas por maus caminhos, caminhos de sofrimento e dor. Deus não produz destino mau para ninguém Ana Carolina. Não foi deus que te transformou em Verônica, mas estas malditas.
- Me ajude, por favor, mude meus caminhos, por favor.
- Me solte e eu farei florescer o que plantas.
- Solte o destino malditas agora.
- Você terá que nos enfrentar e tomar a chave queridinha.
Riacho das quengas – Joilson Assis 121
Nisto eu passei a enfrentá-las e pulei no meio delas para tomar a chave na “tapa”. Lutei muito com elas e agarrada ao cabelo delas caímos no chão e eu me acordei. Que sonho louco, mas eu nunca me esqueci dele. Foi tão real que a minha memória trazia o mesmo à tona como algo realmente vivido.
Agüentei durante meses surras e palavrões daquele homem que em nada me valorizava. Talvez para ele Peri meu cachorro tivesse mais valor e o passar, lavar, arrumar a casa fosse o único motivo dele me sustentar, dele me manter em sua casa. As maiores surpresas não estão nas situações, mas nas reações que temos a elas, nos surpreendemos com as nossas próprias reações as situações e momentos. Confesso que já estava me acostumando a ser uma coisa e não um ser humano. Em um daqueles dias julgando ser merecidas aquelas tapas fortes na minha cara. Naquele dia além de me bater o monstro bêbado bateu com um pau em Peri quebrando a sua perna. Caída ao chão vi aquela cena que me causou grande irá. Fui até ele, peguei o pau e bati nele com todas as minhas forças, bati, bati nas pernas, na cabeça, nos joelhos enquanto o miserável pedia para parar, mas eu estava descontrolada. Bati com muito gosto e ele caiu sangrando ao chão e mesmo assim eu continuei.
- Seu bêbado miserável você quebrou a perna de Peri, seu miserável tome isto...
- Verônica você é uma rapariga imunda, sua quenga...
Riacho das quengas – Joilson Assis 122
Eu bati muito nele, eu gritava e batia, batia até ele não mais fazer reação alguma. Soltei o pau sujo de sangue e tremendo cai de joelhos no chão.
- Matei Manoel. Meu Deus o que vou fazer?
Peguei Peri e corri ao açude de Bodocongó para a casa de dona Yayá que tinha uma distância de quinze quilômetros. Com o cachorro grunindo em minhas mãos eu corri muito e constantemente eu olhava para trás esperando a polícia me alcançar. Na época o delegado da região era o Antônio Negreiros que era impiedoso e não gostava muito de quenga apesar de ser casado com uma embutida. Corri muito e as minhas pernas tremulas davam câimbras e a dor era muito grande. Suada e exausta cheguei às margens do açude dos amores e quase rendida ao destino trágico de ser uma futura prisioneira tomei o meu último banho no açude e as águas do rio Bodocongó se misturavam com as minhas lágrimas.
- Por que Senhor eu sofro tanto, por quê?
- Será que nasci para sofrer nesta terra? Eu só queria ter um homem só meu, uma casinha e filhos. Só isto Senhor!
Lavei meu corpo manchado por pontas de cigarros e arranhões em delírios sexuais, as manchas das sarnas que tive me sentindo um lixo um resto da humanidade que tenta desesperadamente me esquecer. Cheguei tomada banho em Dona Yayá e contei que tinha matado Manoel a pauladas e a qualquer momento a polícia iria vim me buscar.
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