AS DISPUTAS E INTRIGAS NAS MARGENS DO AÇUDE DE BODOCONGÓ

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Apesar de lavarmos roupas próximas aos barracos das quengas era difícil ver uma já que o nosso grupo de mulheres não se dava com elas, pois existia uma incrível rivalidade entre as mulheres “direitas” e as quengas que arrastavam e conquistavam vários maridos. Nisto as mulheres “direitas” tinham certa fobia acerca das quengas. As “direitas” também não permitiam que elas viessem lavar roupa nas pedras que lavavam com medo de doenças como sífilis e outras. Mas como as quengas tinham um jeito de desbocada em um dia ao chegarmos pela manhã no açude de bodocongó onde ficavam todas as “mulheres direitas” tinha uma quenga bem na nossa pedra lavando suas roupas. As amigas de minha mãe já deram sinal com os olhos que tinha algo errado acontecendo. Maria da Silva não gostou muito deste assunto e foi até a quenga pedindo a pedra em que ela estava utilizando. – “Ah, benzinho eu só vou deixar esta pedra quando terminar.
- “Esta pedra é minha saia agora!”
A rivalidade entre as quengas e as mulheres chamadas de direitas era nítida e a conversa entre a minha mãe e a quenga foi esquentando até que a quenga puxou um canivete de dentro dos









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Seios quase desnudos e chama a minha mãe para a briga. Aquela mulher não deveria fazer aquilo, pois Dona Maria era muito brava e sempre dizia que tinha sangue de índio bravo da bacia do Rio do Peixe interior do Estado. Vi raiva no olhar da minha mãe que pulou em cima dela com a faca e tudo. A briga foi feia e as duas acabaram nas margens do açude e nas águas dele brigavam como homens costumavam brigar. As quengas tinham fama de desbocadas e bravas até com homens na noite brigavam fortemente com murros e ponta pés. Tentei ajudar a minha mãe, mas suas amigas me seguraram enquanto agarradas nos cabelos as duas se desnudavam em pleno combate corpo a corpo. Na briga que mais parecia uma luta por território masculino do que por pedras ao redor do açude a quenga declarou:
- “Ah, você quer ser tão brava, mas o seu marido tem uma quenga em São José da Mata (Lugar visinho) há, há, há...”
Isto irou a minha mão fortemente que pulou em cima dela e caíram na água com a torcida das lavadeiras de roupas gritando o nome de minha mãe. O meu medo era dela matar a minha mãe ou minha mãe matá-la e depois os soldados levarem ela. Na bri-









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Ga Dona Maria leva desvantagem e a quenga desfere vários golpes nela que cai na água em um lugar mais fundo desmaiada se afogando. Depois de vencer a luta a quenga olha ao redor e ninguém vai socorrer a minha mãe e eu grito chorando. Aquela quenga com o nariz sangrando pulou na água e retirou minha mãe desmaiada, retirou a água que estava em seus pulmões fazendo respirar novamente. Foi esta cena que me fez perceber que as quengas não eram tão desumanas assim, ela tinha se compadecido de minha mãe mesmo depois de levar muitos golpes dela. Com a minha mãe já falando, aquela quenga pega suas roupas ainda molhadas, ajeita suas roupas rasgadas na briga e vai embora para seu lado do açude. Nunca me esqueci destas cenas e o fato de ninguém sair para socorrer a minha mão mesmo sabendo que ela estava morrendo afogada marcou muito. A visão da quenga fazendo respiração boca-boca com minha mãe tentando salva-la ficou na minha mente até os dias de hoje.
A rivalidade entre as “direitas” e as quengas era grande e toda esta história era por motivo de seus maridos muitas e muitas vezes passarem às noites abraçados as quengas nos forrós ao redor do açude. O bar das quengas, como era










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Chamado bar Santo Antônio, era o mais freqüentado de toda região e era nele onde homens pobres davam uma de ricos e pagavam para todos, bebidas e comidas. De outro lado havia um ciúme das quengas que não conseguiam ser mulher de um homem só, não conseguiam pertencer a um único homem que era o sonho de todas elas. Revoltadas com suas vidas promiscuas elas insultavam as “direitas” por invejarem suas vidas. As noticias corriam e era comum donas de casas acompanhadas de outras amigas “direitas” visitarem as casas das quengas com paus e facas e ai o quebra pau acontecia. Era um show e todos paravam para ver. Por quem será que os homens torciam, por suas mulheres “direitinhas” ou por suas quengas ali representadas?
Apesar da pouca idade eu conhecia Dona Maria da Silva e ela iria fazer sim qualquer coisa, era só uma questão de tempo. Certo dia minha mãe recebeu a visita de quatro amigas e diz para mim cuidar de meus irmãos e saiu armada com destino a uma quenga em São José da Mata por nome Chica Preta, Maria Francisca da Silva, Chica Preta porque era negra. Eu não sei o que aconteceu, mas as quatro voltaram machucadas, mas rindo de situações vividas onde foram. È, elas foram atrás de Francisca e









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Deram uma surra nela e em suas amigas. Dona Maria estava de alma lavada, mas ferida, pois soube que Chica Preta tinha três filhas de meu pai e que ela não era a única quenga de meu pai, existiam várias outras. Eu não compreendia como um homem tão moralista era tão namorador. Na vida todo homem se contradiz e muitas demonstrações de moral não passam de estupidez disfarçada. Dona Maria teve que se acostumar com as quengas de meu pai apesar de brigarem bastante ela sempre cedia aos seus desejos. Era o sistema que já existia quando eu vim ao mundo, mas como mudá-lo? Completei meus doze anos ouvindo brigas e amores dos dois. O que mais me estranhava era as pragas que os dois diziam sobre mim que era a mais velha. Bastava uma raiva e desejos que eu seria isto ou aquilo surgiam fortemente. Eles desejavam coisas terríveis ao meu respeito por coisas banais que cometia como quebrar um prato ou uma xícara. Logo eu seria uma quenga uma sem futuro etc. isto me magoava muito, mas nada eu podia fazer era desta forma que muitos pais do nordeste tratavam suas crias. A minha própria mãe dizia que praga de mãe era danada e ela mesma deseja coisas ruins para mim e meus irmãos. Como minha mãe desejava que










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Eu fosse o que ela mais odiava: uma quenga. Existia no Nordeste uma cultura praguejadora muito grande, principalmente entre os mais pobres. Mas alegria, como ter mais uma irmãzinha, tirava todas as magoas de palavras fortes que recebia.
Foi no final dos doze anos que senti uma grande transformação em meu corpo. Foi neste período que veia a minha primeira menstruação e os cabelos esconderam algumas partes de meu corpo que antes era vista desnuda. Foi no mês de dezembro que senti algo muito estranho em meu corpo. Pela manhã cedo fui enviada para buscar leite na casa de dona Josefa Goes, dona Zéfinha do leite. Para dar tempo lavar muita roupa ao lado do açude, fui bem cedo assim que clareou, a casa dela que ficava próximo a mata da família Correia, a mata de Dona América Correia (Véia Merquinha) Eu gostava de buscar leite montada num jumento chamado Roxinho, pois na volta tinha um rapaz muito bonito que acenava para mim. Será que ele era meu namorado? Todos os dias aquele rapaz me aguardava e me dava tchau, era um namoro silencioso na base de olhares e beijos enviados com as mãos. Eu era tão jovem mais já tinha um namorado, quantos filhos será que eu terei com ele?






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